Conflito político ameaça potência paraolímpica e pode ajudar o Brasil

(Foto: Getty Images)


O CPB (Comitê Paralímpico do Brasil) estabeleceu como meta para as Paraolimpíadas de 2016 a inclusão do país entre os cinco primeiros do quadro de medalhas orientado pelo número de ouros. O caminho para isso, evidentemente, passa pelo desempenho dos donos da casa no Rio de Janeiro. No entanto, um fator eterno pode ter papel determinante. Um conflito político e social que eclodiu em 2014 tornou-se ameaça para uma das principais potências paraolímpicas do planeta. Dois anos depois de ter deposto o presidente Viktor Yanukovytch e de ter visto a região da Crimeia ser anexada à Rússia, a Ucrânia tentará manter na Rio-2016 o retrospecto de sucesso em edições recentes dos Jogos.

Um dos maiores casos de sucesso no esporte paraolímpico, a Ucrânia estreou nos Jogos em Atlanta-1996 e ficou com a 44ª posição no quadro de medalhas (um ouro, quatro pratas e sete bronzes). Oito anos depois, em Atenas, já havia saltado para a sexta posição (24 ouros, 12 pratas e 19 bronzes). Foi a quarta colocada nas duas edições mais recentes de verão (32 ouros, 24 pratas e 28 bronzes em Londres-2012) e também esteve entre os líderes de pódios nos torneios de inverno (terceiro posto em 2006, quinto em 2010 e quarto em 2014). Nenhum outro país tem rendimento tão eficiente e regular nas Paraolimpíadas de inverno e verão.

O sucesso ucraniano tem relação direta com Valeriy Sushkevych, 62, presidente do CPU (Comitê Paraolímpico da Ucrânia). Cadeirante desde os quatro anos, quando foi acometido por poliomielite, o dirigente foi nadador da União Soviética e tem vasta carreira na política. Como parlamentar, defendeu na Ucrânia a criação de uma política esportiva inclusiva para os portadores de deficiência.

Graças à influência política de Sushkevych, pelo menos uma escola em cada região da Ucrânia passou a desenvolver desde o fim dos anos 1990 um trabalho de inclusão esportiva paraolímpica. O plano amarrado pelo dirigente fez enorme diferença num país em que havia pouquíssima estrutura para deficientes. Na época, por exemplo, ainda era incipiente o debate local sobre acessibilidade em ruas e prédios. Além disso, na maioria dos colégios que tinham piscinas o tanque ficava no segundo andar.

Todo esse plano de fomento ao esporte paraolímpico é bancado por recursos federais. Nos últimos anos, contudo, os cofres públicos da Ucrânia foram abalados pela revolução que começou com uma série de protestos civis nas ruas e propiciou a queda do presidente Viktor Yanukovytch, deposto por “negligência em suas funções”. O país vivia crise política e econômica, e o plano de contenção da onda de violência precisou de mediação da União Europeia.

“Com a guerra, nosso orçamento foi cortado. Não pudemos fazer tantos camps de treinamento quanto gostaríamos”, disse Victor Lys, técnico do atletismo paraolímpico da Ucânia, em entrevista à agência “AFP” em 2015. Naquele ano, apenas 31 atletas representaram o país no Mundial de Atletismo de Doha (Qatar), sete a menos do que na edição anterior, em 2013. “Só pudemos levar potenciais vencedores ou jovens que estavam em ascensão”, explicou o treinador.

Não é só dinheiro: conflitos deixaram Ucrânia sem casa paraolímpica
Nas Paraolimpíadas de inverno de Sochi-2014, o corte de investimento da Ucrânia ainda não foi sentido. O direcionamento de recursos em função dos conflitos começou a acontecer quando o país já estava em fase final de preparação, com a maior parte da verba já empregada. A Rio-2016, portanto, será a primeira grande competição com a nova realidade financeira local.

Os conflitos sociais de 2014, porém, não afetaram apenas a capacidade de investimento da Ucrânia no esporte paraolímpico. Houve uma relação ainda mais clara com a preparação do país: o principal centro de preparação nacional para o esporte adaptado fica na Crimeia, região que foi anexada pela Rússia.

Os russos classificaram a revolução de 2014 como “golpe de Estado” e se recusaram a reconhecer o novo governo da Ucrânia. O parlamento russo deu ao presidente Vladimir Putin a autoridade para usar força militar no país vizinho, e isso possibilitou uma invasão na Crimeia.

Em março, o parlamento da Crimeia aprovou independência da Ucrânia e indexação do território à Rússia, o que agravou drasticamente a crise política em torno do território. Os ucranianos retiraram tropas do local, mas consideraram apenas como “terra ocupada por russos”.

Enquanto os dois países disputam o controle sobre a Crimeia, o esporte paraolímpico da Ucrânia sofre. Em 2002, por influência de Sushkevych, o país havia inaugurado na região um dos melhores centro de treinamento do planeta para esporte adaptado. O aparato tem cinco piscinas, pista de atletismo e uma academia de altíssimo nível, por exemplo.

Além de funcionar como base, o centro de treinamento na Crimeia era uma importante fonte de renda para o CPU. Parte da preparação dos atletas paraolímpicos ucranianos era custeada com o aluguel do equipamento, que também operava como hotel e centro de recuperação.

Sem o CT, os ucranianos passaram a concentrar atividades de atletas paraolímpicos em um centro situado em Yavoriv, cuja estrutura é mais propícia a modalidades de inverno. De um equipamento perfeitamente ajustado às necessidades de seus atletas, os dirigentes locais passaram a conviver com improvisos na estrutura.

O único “apoio” que os conflitos de 2014 deram ao esporte paraolímpico na Ucrânia foi um incremento no número de atletas. Pelo menos 18 mil soldados tiveram lesões sérias durante a crise, e os primeiros integrantes desse grupo começaram a trabalhar em Yavoriv no ano passado.

A delegação da Ucrânia na Rio-2016 terá 155 atletas, recorde para o país na história dos Jogos Paraolímpicos de verão. Cada representante do país receberá US$ 40 mil (R$ 129,17 mil) por medalha de ouro, US$ 26 mil (R$ 83,96 mil) por prata e US$ 18 mil (R$ 58,13 mil) por bronze. No Brasil, láureas individuais valerão R$ 60 mil (ouro), R$ 30 mil (prata) e R$ 20 mil (bronze). Pódios em modalidades coletivas renderão a metade disso.

UOL Esporte

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