Justiça aceita denúncia contra presidente da CBT e Dácio Campos

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Dias depois do anúncio da não renovação de seu patrocinador principal, o tênis brasileiro ganhou sua própria versão da Operação Lava Jato. A Justiça Federal aceitou denúncia do Ministério Público contra o presidente da CBT, Jorge Lacerda, e o comentarista do SporTV Dacio Campos. Também faz parte da lista de investigados Ricardo Marzola, proprietário da Brascourt, empresa que constrói quadras de tênis e que teve até um escritório dentro da sede da CBT em São Paulo.

Segundo a denúncia, os três são responsáveis por um desvio de R$ 440 mil, mediante expediente fraudulento, de verba federal captada pela CBT junto ao Ministério do Esporte por meio da Lei de Incentivo para realização do torneio Grand Champions Brasil 2011. A empresa Premier Sports, de propriedade de Dacio Campos, produziu o evento, que segundo o projeto deveria ter ocorrido no Sheraton São Paulo WTC Hotel, mas foi realizado no Clube Harmonia de Tênis.

O caso já foi investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que condenou Lacerda administrativamente por: irregularidades no projeto; débito de R$ 400 mil com base em nota fiscal que "simulou transação de aluguel inexistente"; e débito de R$ 40 mil baseado em nota fiscal que "simulou prestação de serviços de montagem de quadra". A CBT, então, precisou desembolsar o valor reajustado de R$ 537.873,02, o que aconteceu em 2013.

Agora, Jorge Lacerda, Dacio Campos e Ricardo Marzola precisarão responder na esfera criminal. A denúncia sugere o enquadramento do trio no artigo 312 do código penal, que trata de peculato: "apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio." A pena é de dois a 12 anos de prisão e multa. A juíza federal Raecler Baldresca recebeu a denúncia no último dia 3 de outubro. Os envolvidos têm dez dias para responder à acusação.

Ao UOL Esporte, Dacio Campos rejeitou a acusação de que a CBT teria agido como intermediária para a captação da verba. Segundo o comentarista do SporTV, ele realizou serviços para a CBT e emitiu uma nota fiscal. Campos afirmou também que possui todas notas fiscais de terceiros contratados por ele.

"Eu sou produtor, não sou promotor do evento. E eu só mudei o evento porque a ATP me mandou mudar. No Harmonia, eles me cederam uma quadra, e não uma arena como constava no projeto. Então tudo que compõe uma arena eu tive que montar. Eu tive que montar banheiros, fazer restaurante, área VIP. No WTC, eu não precisaria porque estaria tudo pronto. Então o dinheiro sairia da CBT para o WTC. Estaria tudo certo", disse o comentarista.

A denúncia
A denúncia, apresentada em 13 páginas, tem teor acusatório e levanta suspeitas preocupantes para qualquer fã de tênis.

A proposta feita pela CBT para captar verba para a realização do Grand Champions incluía dois pagamentos: R$ 400 mil à empresa proprietária do que seria a sede do evento (administrado pela empresa Sheraton São Paulo WTC Hotel) e R$ 40 mil a título de reforma/adequação na quadra de tênis.

O texto lembra que a União autorizou a captação, pela CBT, de até R$ 601.692,00 e que "JORGE LACERDA DA ROSA, na qualidade de presidente da CBT, chegou a declarar formalmente ao Ministério do Esporte que o 'Complexo Empresarial World Trade Center' seria o único local, na cidade de São Paulo, adequado para sediar o desejado torneio de tênis. Curiosamente, em 07.04.2011, dois meses após a assinatura do convênio com a União, JORGE LACERDA DA ROSA veio a informar ao ME um novo local onde se realizaria o torneio, o 'Clube Harmonia de Tênis'"

Segundo a denúncia, Lacerda também declarou formalmente que "a Brascourt é fornecedora exclusiva no Brasil da tecnologia de piso para quadras de tênis produzidas por meio de mantas de borracha granulada." O evento, porém, acabou sendo disputado no Harmonia em quadras de saibro.

Em um entretítulo chamado "eis o golpe", a denúncia descreve em quatro parágrafos a sequência de eventos:

1. "Apesar de haver alterado a sede do torneio esportivo para local adequado e gratuitamente obtido, JORGE LACERDA DA ROSA fez discriminar as (inexistentes) despesas com aluguel e reforma/adequação ("emborrachamento") de quadra na prestação de contas à União (Ministério do Esporte) como se a CBT tivesse arcado com tais custos."

2. "Em 27.05.2011, JORGE LACERDA DA ROSA injustificadamente deu, do referido dinheiro captado, R$ 400.000,00 à empresa Premier Sports Brasil, possuída e administrada por DACIO DE SOUZA CAMPOS NETO, o qual agiu em comunhão de vontades e unidade de desígnios criminosos com JORGE; ressalte-se, ainda, que tal empresa já não teria nenhuma relação com a (inexistente) locação de quadra de tênis, e DACIO não teria nenhum motivo idôneo para receber tal quantia (até porque JORGE, dirigente esportivo com muita experiência em projetos fundados na Lei de Incentivo ao Esporte, sabia muito bem que não poderia contar com a 'intermediação' de DACIO, uma vez que o Decreto Federal nº 6180/2007 – 'regulamenta' a Lei nº 11.438, de 29 de dezembro de 2006 [Lei de Incentivo ao Esporte], que trata dos incentivos e benefícios para fomentar as atividades de caráter desportivo' – proíbe a aplicação de recursos captados com base na Lei de Incentivo ao Esporte por meio de qualquer tipo de intermediação, com a ressalva, aqui inaplicável, à elaboração dos projetos desportivos ou paradesportivos ou à captação de recursos)."

3. "Para melhor ludibriarem a União (Ministério do Esporte), DACIO DE SOUZA CAMPOS NETO, em nome de sua empresa 'Premier Sports Brasil', forneceu a JORGE LACERDA DA ROSA (CBT) a nota fiscal ideologicamente falsa juntada na f. 870, a qual foi usada por JORGE para prestar contar da (falsa) despesa ao Ministério do Esporte."

4. "Em data declarada de 17.02.2011, RICARDO PINTO MARZOLA, na qualidade de dono e administrador da 'Brascourt Pisos Esportivos Ltda.' e integrando dolosamente o esquema criminoso, deu a JORGE LACERDA DA ROSA a nota fiscal ideologicamente falsa cuja cópia está juntada na f. 689, atestadora de (inexistente) despesa com reforma/adequação ('emborrachamento') de quadra, no suposto valor, à época, de R$ 40.000,00; como se depreende dos carimbos na referida f. 869, JORGE LACERDA DA ROSA se utilizou de tal documento para 'prestar contas' ao Ministério do Esporte de mais essa despesa inexistente, desviando indevidamente de tal valor, também captado através da Lei de Incentivo ao Esporte; ressalte-se também que o pagamento feito para a 'Brascourt' não reteve os tributos devidos."

Quase sucesso
A denúncia enfatiza que Lacerda, Dacio Campos e Marzola "conseguiram ludibriar o Ministério do Esporte a ponto de tais fictícias despesas terem sido atestadas como realmente ocorridas". Quase deu certo. Diz o texto:

"Entretanto, por conta de representações principalmente formuladas por Arnaldo Gomes (adversário político de JORGE no âmbito da CBT), o Ministério do Esporte acabou por investigar melhor os fatos, verificar o desvio do dinheiro e glosar a captação da verba. Vendo seu golpe desmascarado, JORGE LACERDA DA ROSA, sempre na condição de presidente da 'Confederação Brasileira de Tênis' e utilizando o patrimônio desta, ressarciu o dinheiro desviado à União em 23 de maio de 2013…"

Sigilo levantado
O Ministério Público Federal pediu o levantamento do sigilo dos autos porque "o caso cuida de tema essencialmente público (desvio de dinheiro através de convênio federal) e não há nos autos informações de conteúdo íntimo (p.e. interceptações telefônicas etc.)."

A denúncia, assinada pelos procuradores da república Priscila Pinheiro de Carvalho e Gustavo Torres Soares, faz parte do inquérito policial nº 0318/2012-11. O texto afirma afirma que o levantamento do sigilo foi pedido "de modo que todos os terceiros interessados possam examinar (e até utilizar seus elementos na instrução de outros feitos, de natureza variada – até porque, por exemplo, não se sabe se JORGE LACERDA DA ROSA prestou as devidas contas, no âmbito da CBT, quanto ao dinheiro captado, desviado, glosado e, às custas da própria CBT, devolvido à União; tampouco se sabe, por exemplo, se DACIO DE SOUZA CAMPOS NETO devolveu à CBT os R$ 400.000,00 indevidamente recebidos, ou, pelo menos, a parte desse montante que não foi gasta no 'Torneio Grand Champions 2010-11')".

A justificativa
Quando foi condenada pelo TCU a devolver o dinheiro, a CBT se defendeu argumentando que "isso se deveu ao fato de a ATP haver solicitado a mudança de piso do torneio para quadra de saibro, ao invés de quadra dura (que foi requerida inicialmente no projeto) e esta exigência fez com que houvesse mudança de local do torneio, e ao fato da CBT já ter contratado anteriormente empresa que construiria o piso de borracha."

O dinheiro, segundo a entidade, seria destinado ao pagamento do aluguel da Sociedade Harmonia de Tênis e à alteração de piso. A entidade disse ainda: "Salientamos que a CBT executou o objeto do projeto, realizou todas as ações que estavam previstas no plano de trabalho, apresentou todas as notas fiscais legítimas utilizadas para o pagamento dos serviços utilizados no torneio, mas o parecer financeiro do Ministério do Esporte entendeu que as alterações realizadas são diferentes dos tópicos requeridos no projeto inicial." Veja a íntegra da defesa da CBT nesta reportagem publicada pelo UOL.

Já Dácio Campos, à reportagem do blog Saque e Voleio, ressaltou que perdeu dinheiro com o trabalho no torneio: "Na verdade, eu não gastei 400. Eu gastei R$ 500 mil. Eu perdi R$ 100 mil, mas isso não vem ao caso, é problema meu. Eu dei uma nota fiscal para a CBT, paguei todos os custos do evento e recolhi o imposto. O que eu fiz de errado?".

UOL Esporte

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