Deficiência intelectual ressurge no esporte após fraude espanhola em 2000

(Foto: Daniel Zappe/CPB/MPIX)


Daniel Tavares Martins era uma criança hiperativa. Falante e irrequieto, o paulista de Marília tinha dificuldades de acompanhar a escola, o que fez com que descobrisse sua deficiência intelectual, uma das categorias do esporte paralímpico. Praticante de atletismo desde 2013, o corredor de 21 anos tenta o inédito título mundial nos 400m classe T20, nesta segunda, em Londres, às 15h20 (de Brasília) - o SporTV2 transmite ao vivo. Daniel integra o movimento paralímpico num momento em que a deficiência intelectual busca a reafirmação no esporte, 17 anos após um grande escândalo nos Jogos Paralímpicos de Sydney.

- Descobri a minha deficiência na escola. Quando estava na segunda série, tinha dificuldade de acompanhar o ritmo dos outros alunos. Uma colega sempre me ajudava nos trabalhos e assim fui passando de série até terminar o terceiro ano (antigo Ensino Médio). Não sei como, mas concluí (risos) - diverte-se Daniel, que, no ano passado sagrou-se campeão paralímpico ao levar o ouro nos mesmos 400m T20 da Rio 2016.

O Comitê Paralímpico Internacional (IPC - silga em inglês) classifica como elegível para a categoria de deficiência intelectual pessoas com baixa capacidade de assimilação e resposta. Atualmente, atletas com limitação intelectual são admitidos apenas no atletismo, natação e tênis de mesa no cronograma dos Jogos Paralímpicos.

A pouca presença de deficientes intelectuais no esporte paralímpico é consequência de uma grande polêmica ocorrida há 17 anos. Nos Jogos Paralímpicos de Sydney 2000, a Espanha conquistou o ouro no basquete masculino com uma equipe formada por pessoas sem deficiência, que burlaram os testes de classificação funcional com respostas falsas. Por conta disso, o IPC excluiu a deficiência intelectual das Paralimpíadas de Atentas 2004 e Pequim 2008.

A fraude espanhola foi desmascarada em novembro do mesmo ano, quando Carlos Ribagorda, jornalista e membro do time, afirmou, em matéria da revista Capital, que ele e o restante da delegação não tinham nenhuma deficiência e participaram da trama em um projeto da federação para "obter grandes resultados e ganhar melhores patrocínios".

O ouro da seleção espanhola foi cassado e todos os atletas tiveram de devolver as medalhas. Em 2013, o presidente da Federação Espanhola de Esportes Paralímpicos, Fernando Martín Vicente, foi condendado a pagar uma multa de 5,4 mil euros (cerca de R$ 16 mil). Jogadores e comissão técnica foram processados, mas acabaram absolvidos.

- Após o escândalo dos Jogos de Sydney, o IPC só voltou a admitir deficientes intelectuais na Paralimpíada a partir de Londres 2012. Mesmo assim, eles voltaram em poucas modalidades e em uma classe só (T20 no atletismo e S14 na natação). Por conta disso, mudou-se completamente o processo de classificaçao funcional. Antes, eles faziam apenas testes cognitivos através de avaliações escritas, o que permitia que dessem respostas falsas. Agora há uma mescla entre cognição (perguntas e respostas) e coordenação motora entre as perguntas e as respostas. Isto é, os atletas vão para a pista e tem de executar tarefas, como correr 20 metros a 80% da sua condição física e depois parar para desviar de cones. O que ele responder nisso tudo vai dizer se é elegível ou não - disse Patrícia Freitas, classificadora funcional brasileira que atua no IPC.

Segundo Patrícia, a deficiência intelectual segue em observação no movimento paralímpico, mesmo já confirmada nos Jogos de Tóquio 2020. A classificadora funcional diz ainda que a tendência é que mais modalidades paralímpicas admitam deficientes intelectuais no futuro, caso seja consolidada a lisura nos processos eletivos da categoria. Há também um movimento pela inclusão da Síndrome de Down no esporte de alto rendimento.

- Eu acredito que, como os deficientes intelectuais estão voltando agora e o nível das provas está muito alto, a categoria está em processo de mudança. A gente sabe que existem algumas linhas que querem incluir a Síndrome de Down em deficiência intelectual, mas isso esbarra na questão do alto rendimento. É próprio da deficiência deles ter o retorno da informação muito mais lento. Visualizo que daqui a alguns anos vá ter uma nova classe na deficiência intelectual, não da Síndrome de Down e sim de uma limitação intelectual maior - finalizou.

Globo Esporte

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