O que está por trás da ruptura entre a Renault e a RBR?

(Foto: Getty Images)


Segundo o que se falou no paddock do Circuito Marina Bay, em Cingapura, a Honda e a STR vão anunciar nesta sexta-feira o fornecimento da unidade motriz (PU) japonesa para a equipe italiana, da empresa austríaca RB, por três anos. Ao mesmo tempo, a McLaren oficializa o divórcio com a Honda para passar a competir com a PU Renault.

Correu solta nesta quinta-feira também a informação de que a RBR, tetracampeã do mundo, hoje com Max Verstappen e Daniel Ricciardo, terá da mesma forma de competir com a PU Honda a partir de 2019. Vale a pena irmos mais fundo na questão para entender o que se passa nesse complexo universo dos construtores de PU da F1.

A RBR disputa a F1 associada a Renault desde 2007. E foi com os motores V-8 franceses que Sebastian Vettel conquistou os quatro títulos seguidos, de 2010 a 2013. A partir de 2014, RBR e Renault seguiram juntas na era da tecnologia híbrida. Como assim, agora, as duas partes vão se desligar?

Na realidade, a separação entre RBR e Renault era para ter ocorrido no fim de 2015. Christian Horner e Helmut Marko, os líderes da RBR, criticavam abertamente a montadora francesa, a quem desejasse ouvir, e atribuíam a pior temporada da escuderia desde 2008 à ineficiência da PU Renault. A RBR ficou em quarto entre os construtores, com 187 pontos, diante de 703 da Mercedes, campeã.

Ocorre que Horner e Marko não convenceram a Mercedes a lhes fornecer sua super PU para 2016 e a Ferrari concordou apenas com a usada em 2015. Os dois não tiveram outra opção a não ser mudar radicalmente o discurso e com uma carta de desculpas nas mãos retomar as conversas com o controverso Cyril Abiteboul, diretor da Renault.

Ajuda externa

Horner e Marko propuseram um consultor pago por sua empresa, o suíço Mario Illien, da Ilmor, especializada em motores, não importa se convencionais ou híbridos, como os da F1.

Com o maior investimento da Renault e, por que não, a ajuda da Ilmor, a PU francesa avançou. Em 2016, Ricciardo terminou o campeonato em terceiro, venceu o GP da Malásia, e teve no total oito pódios. O russo Daniel Kvyat disputou as primeiras quatro provas, conseguiu um pódio na China, e depois Max, no seu lugar, ganhou o GP da Espanha e chegou no pódio em sete ocasiões. A RBR foi vice-campeã, com 468 pontos. A Mercedes, campeã, 765.

Este ano a RBR começou a temporada com o pior chassi desde 2008, o do modelo RB13. Adrian Newey, consultor técnico, só interveio a partir da etapa de abertura, na Austrália. “Eu apenas indiquei como deveria ser a aerodinâmica da porção frontal desse carro”, disse ao GloboEsporte.com, em Barcelona, para se esquivar de responsabilidade. Mas com o seu trabalho o RB13 equipado com PU Renault, denominada TAG-Heuer, por razões comerciais, cresceu, apesar dos problemas de confiabilidade. Ricciardo tem seis pódios, sendo um com vitória, no Azerbaijão, e Max, um pódio, na China.

Repare que a associação RBR-Renault voltou a ser forte. Não como antes, na era dos motores V-8, mas desde a temporada passada está ganhando corridas, como já havia sido no primeiro ano da tecnologia híbrida, 2014, quando Ricciardo foi primeiro no Canadá na Hungria e Bélgica.
E agora vem essa bomba, as duas que haviam retomado o caminho do sucesso, tão difícil e custoso de se atingir na F1, se preparam para seguir rumos distintos.

Um forte concorrente a menos

Veja que interessante. Quem não quer mais saber de fornecer a PU para a RBR é a própria Renault. Por um motivo bastante simples: a montadora francesa tem sua equipe desde o ano passado. Em 2016, usou o chassi da Lotus e o adaptou para usar sua PU. Competia com Mercedes em 2015. Este ano concebeu um carro completamente novo, mas pelo grupo de pouco mais de 300 profissionais que sobraram em Enstone, sede na Inglaterra, da insolvência da Lotus, time readquirido pela Renault.

O modelo de 2018 já será o resultado dos cerca de 500 integrantes que trabalham em Enstone, na reestruturada Renault. E em 2019, a montadora francesa vai dispor do primeiro projeto concebido e construído pelo grupo que está sendo montado com técnicos de várias escuderias e formados na sua própria indústria automobilística.

Ser campeã em 2019

Há uma frase emblemática do ex-diretor geral da Renault, Frederic Vasseur, dita quando assumiu o cargo, em Silverstone, no ano passado. O GloboEsporte.com estava presente. “Não estabelecemos metas, mas crescimento contínuo. O importante será verificar que a cada temporada demos um passo adiante. O objetivo é lutar pelo título no quarto ano da equipe.”

Vasseur, um vencedor, não se entendeu com Abiteboul, como quase todos, e deixou a direção da Renault. Desde julho deste ano é o diretor geral da Sauber. Mas observe que 2019, citado por ele, é o ano que os franceses pensam em voltar a ganhar corridas e, claro, poderem ser campeões do mundo novamente, como já foram com time próprio em 2005 e 2006, na época de Fernando Alonso e Flávio Briatore.

A Renault foi ofendida seriamente pela direção da RBR durante 2015. Mesmo assim aceitou, no ano passado, seguir fornecendo sua PU. Por quê? Por causa de saber que seu time poderia, no máximo, marcar pontos em uma ou outra etapa. A Renault assumiu a Lotus no dia 3 de dezembro de 2015. Como explicado, disputou seu primeiro ano na volta à F1, em 2016, com carro de 2015 da Lotus, adaptado a sua PU.

Mantendo a PU na RBR, a Renault poderia desenvolvê-la, pois se trata de uma organização que andaria bem mais lá na frente. Como mencionado, a RBR ficou em segundo entre os construtores, com 16 pódios. Se este ano a PU Renault melhorou, apesar de não poder ainda ser comparada com a da Mercedes e Ferrari, é porque esteve no carro da RBR em 2016.

Se o universo de estudos dos seus técnicos fosse apenas o proporcionado pelo deficiente carro de 2016, a Renault teria avançado bem menos. Vale lembrar que a STR competiu com PU Ferrari de 2015 no ano passado.

Vamos voltar para o paddock do Circuito Marina Bay, em Cingapura, nesta quinta-feira. Dá para entender o motivo de Abiteboul provavelmente já ter comunicado Horner e Marko que, terminado o contrato de fornecimento da PU, no fim de 2018, a Renault não irá renová-lo?

Por qual razão? A RBR possivelmente seria adversária da Renault na esperada luta pelo mundial, tudo dando certo nos planos da montadora. O esperado anúncio da contratação do talentoso Carlos Sainz Júnior, 23 anos, é uma demonstração de que o plano francês segue os passos estabelecidos. “Queremos um piloto capaz e jovem para crescer conosco”, disse Abiteboul, este ano, em Monza, quando surgiu o boato de que o espanhol poderia se transferir para a Renault.

Resumindo, a Renault acredita que terá atingido o estágio de potencial campeã em 2019 e não quer saber de fornecer armas a um possível concorrente.

Mercedes e Ferrari também disseram “não”

A notícia foi bem divulgada. Em julho, o diretor da McLaren, Zak Brown, profundamente insatisfeito com o trabalho da Honda, desde 2015, recebeu sinal verde dos dois sócios do Grupo McLaren, o grupo de investimento do governo de Bahrein, Mumtalakat, e o grupo TAG, do saudita Mansour Ojjeh, para procurar outro fornecedor de PU. Ron Dennis, fundador e então sócio, acabara de vender os seus 25% de participação no Grupo McLaren.

Sabe o que Brown ouviu de Toto Wolff, diretor da Mercedes? “Não vamos lhes fornecer nossa PU.” E sabe qual foi a resposta de Maurizio Arrivabene, diretor da Ferrari, representando seu presidente, Sérgio Marchionne? Exatamente a mesma coisa. Tanto Mercedes quanto Ferrari se recusaram a fornecer a PU para a McLaren.

Motivo? O projeto do modelo MC32-Honda, coordenado por Peter Prodromou, ex-RBR, é eficiente. Com uma PU capaz de lhe disponibilizar potência, como sempre vem dizendo Alonso, possivelmente estaria perto da RBR. E no segundo ano de uso da PU, no caso 2019, as chances de lutar pelos primeiros lugares cresceriam.

A F1 costuma recorrer ao termo “dar um tiro no próprio pé”, ou seja, disponibilizar um componente ao adversário e depois ele o vence. Numa F1 onde o sucesso se tornou bem mais difícil e caro do que já era, pela complexidade de uma tecnologia a ser desenvolvida ainda, ao menos nesse nível de solicitação, quem a domina tem a chave do sucesso na mão.

E tanto Mercedes como Ferrari não a entregariam de mão beijada para a McLaren ou mesmo RBR. Com a mega estrutura técnica e capacidade de investimento de ambas seria dar o tiro no próprio pé. A Renault seguiu exatamente o mesmo caminho lógico e também já avisou a RBR que depois de 2018, por favor procure outro parceiro. A única opção é a Honda.

Em 2021, novo regulamento

Em entrevista ao GloboEsporte.com, na Bélgica, Marko disse que “todos têm de compreender a importância de antecipar para 2020 a estreia do novo regulamento das PU”. A FIA já avisou que em comum acordo com os novos donos dos direitos comerciais da F1, o grupo norte-americano Liberty Media, e a concordância dos times, uma nova PU será introduzida na F1. Será bem menos complexa e muito mais barata. Tudo a partir de 2021.

A poderosa Porsche já informou ter interesse em desenvolver a sua. Quem conversa com a montadora alemã há meses? Isso mesmo, Horner e Marko. Pode-se até dizer que o negócio está bem encaminhado. As chances dessa associação são elevadas. Com o apoio de Ross Brawn, diretor do Liberty Media para a F1, a RBR procura antecipar a estreia da nova PU em um ano. Mas Mercedes e Ferrari, por motivos óbvios, são contra.

Agora sobre a Honda em 2018. Já este ano, nos últimos meses, a PU japonesa emitiu sinais inequívocos de melhora. Só que suas dificuldades são tão grandes, básicas ainda, que a estrada é longa. Finalmente Masashi Yamamoto, o homem que manda no programa da Honda na F1, concordou em receber ajuda externa.

Honda deve evoluir

A mesma Ilmor que foi útil a Renault exerce papel ainda mais preponderante no projeto da montadora japonesa. Além dela há outros profissionais que até há pouco trabalhavam na Mercedes. O bom dessa história é que os japoneses escancararam o projeto, não escondem nada, o que não era o caso da Renault.

Faz sentido acreditarmos que a PU Honda de 2018 será bem mais eficiente que a atual que, em termos de potência, quando liberada, não perde tanto para as três concorrentes. “Temos limitações de uso”, reconhece, sempre, o diretor que vai às corridas, Yusuke Hasegawa.

Se seus técnicos não limitarem a potência, as quebras serão ainda mais frequentes. O GloboEsporte.com perguntou a Hasegawa a natureza das panes. “Em áreas diferentes da PU”, respondeu. Problemão.

Outra restrição diz respeito ao consumo. Este ano são 105 quilos de gasolina para os 305 quilômetros da corrida. Em Montreal, Baku, Silverstone e Monza, pelo menos, Alonso e seu companheiro, o belga Stoffel Vandoorne, tiveram de administrar o ritmo para não ficar sem combustível.

Tudo isso deve ser melhorado em 2018. Trabalhar com uma escuderia média, como a STR, sem um medalhão como Alonso, também fará muito bem a Honda. A cobrança do piloto e da McLaren, ainda que justificadas, funcionavam ao contrário para os japoneses. Quem acompanha a competição de perto observa nitidamente como para a cultura oriental essa postura crítica pública é contraproducente.

Eles apreciam a comunhão de forças, a cumplicidade no projeto, a lealdade. Tudo que a McLaren e seus integrantes, da mesma forma pressionados, não praticaram. Agora na STR essa pressão será menor. O novo cenário associado à reestruturação do programa de F1 pode marcar o início de uma nova fase da participação da montadora no mundial, ela que já foi modelo de excelência na F1.

Globo Esporte

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