Trinca do United, Cristiano Ronaldo embaixador e ciclismo dourado: como o sono virou trunfo no esporte de elite

(Foto: Getty Images / Julian Herbert / ALLSPORT)


Foi uma temporada irretocável. O primeiro clube inglês da história a conquistar títulos da Premier League, da Copa da Inglaterra e da Liga dos Campeões em sequência. Por trás do sucesso daquele Manchester United de 1998/99 descobriu-se, entre outros méritos, uma preocupação pioneira com o sono dos jogadores. Um campo até hoje, duas décadas depois, ainda pouco explorado. Mas responsável por maximizar o potencial de alguns dos maiores nomes do esporte mundial.

Nick Littlehales era diretor de marketing e vendas de uma multinacional do ramo do sono quando teve contato pela primeira vez com Sir Alex Ferguson, que na época já comandava os Red Devils há mais de dez anos. Recebeu abertura para conversar com outros profissionais do clube e sugerir melhorias na estrutura oferecida aos atletas.

- Alex Ferguson era um técnico muito mente aberta e me deu a oportunidade de impactar os jogadores com meu conhecimento sobre o sono. O clube antes não fazia nada a respeito, e depois, num curto período de tempo, começou a ver uma evolução que nunca tinha visto. O United ganhou a trinca e acordei lendo nos jornais que eu era o sleep coach do time. Não era algo que eu planejava.

O termo usado por Nick significa, numa tradução literal para o português, técnico do sono. Ele tenta educar os clientes sobre a importância de ciclos de sono de 90 minutos, equilíbrio entre atividades e recuperação, cronotipia (se o indivíduo é diurno ou noturno), ambiente e produtos, dentre outros fatores.

Quando a máquina Cristiano Ronaldo descansa

Com a divulgação do trabalho, outros clubes de ponta também se interessaram, e o inglês assumiu a nova carreira em tempo integral. Aprofundou ainda mais os conceitos e técnicas que se popularizariam entre os tops do futebol inglês nos anos seguintes.

Prestou consultoria a times como Arsenal, Tottenham, Chelsea, Liverpool e Manchester City. Visitou o Real Madrid na época em que o time era comandado por Carlos Ancelotti e, da noite para o dia, foi rotulado pela imprensa espanhola como o homem que ensinou Cristiano Ronaldo a dormir.

Nick nega qualquer conversa individual com o atacante – evita mencionar nominalmente qualquer cliente, na verdade, por questões de privacidade -, mas o cita como um exemplo de embaixador do sono e de atleta que investe em diferentes ramos da ciência do esporte.

- Ele fala do poder da soneca, de ciclos de 90 minutos... Sugere que aprendeu bastante sobre recuperação mental e física. Ele se cerca dos melhores profissionais para ser um atleta de ponta. Trabalha duro o tempo todo para ajustar a vida dele de forma a ser o melhor atleta. Esse é um dos notivos de algumas pessoas fazem a diferença e outras não.

O sono de ouro dos ciclistas britânicos

Na lista de clientes conhecidos de Nick está a Federação Britânica de Ciclismo. Melhorar a recuperação dos atletas era um dos pilares para a construção de uma potência na modalidade, parte fundamental para o boom esportivo que os britânicos planejavam para os Jogos de 2012.

Do terceiro lugar no quadro de medalhas de Atenas 2004 a Grã-Bretanha saltou para a liderança em Pequim 2008. Nick foi contratado logo depois para aprimorar ainda mais o trabalho vencedor. Em casa, quatro anos depois, o ciclismo britânico seguiu no topo com um desempenho histórico e invejável: 12 pódios e oito ouros.

Para os Jogos do Rio, a equipe importou colchões para tentar aproximar, na Vila Olímpica, as mesmas condições de descanso que tinha na Inglaterra. Manteve-se mais uma vez como a delegação a ser batida, com 12 medalhas, metade delas douradas.

- Foi uma medida extrema e nem sempre a logística permite este tipo de ação, de transportar 40 ou 50 colchões, principalmente para as pessoas comuns. Mas o importante é o atleta ter o conhecimento sobre os ciclos de sono e outros pontos chave que podem ajudá-lo na rotina. Assim ele pode se adaptar.

Em um mundo cada vez mais moderno e conectado, a exposição dos clientes a telas de tablets e celulares também é um desafio. Apesar da ciência do sono ainda ser relativamente pouco explorada no esporte, o sleep coach afirma que os atletas de elite tendem a ser cada vez mais conscientes.

- Essa nova geração se interessa em saber como pode ser melhor no esporte. As pessoas jovens não veem sentido em perder tempo valioso num sono sem benefícios, amam a ideia de que poderiam dormir menos e dormir melhor. Quando comecei o trabalho no United não havia rede social como agora, não havia tantas distrações. Mas eles sabem o impacto disso e entendem que precisam minimizar esse impacto no mundo deles. Esse é o truque.

Globo Esporte

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