Quase todos promotores de GP's, e equipes, estão contra líderes da F1; nível de tensão é alto

(Foto: Divulgação)


O namoro entre os representantes da equipes, promotores de GP e os novos líderes da F1, iniciado dia 23 de janeiro de 2017, chegou ao fim. Agora parte dos diretores dos times e integrantes da associação dos promotores, a Fopa, já não escondem sua insatisfação com a gestão de Chase Carey e Sean Bratches, os profissionais designados pelo Liberty Media para administrar a F1 e definir seus rumos.

Suas declarações até deixam no ar a hipótese de um racha quando terminar, no fim de 2020, o contrato que, junto da FIA, os mantém unidos e viabiliza a realização do Campeonato Mundial de Pilotos e Construtores de F1. O grupo americano Liberty Media completou há dois anos o pagamento equivalente a 8 bilhões de dólares (R$ 30 bilhões) e assumiu o controle dos direitos comerciais da F1.

A torcida quer saber mesmo é de corrida, carros rápidos, barulhentos, belos pegas entre vários adversários, rivalidades entre campeões, coisas do tipo. E faz todo sentido. Essas questões envolvendo a relação entre os novos homens que comandam a F1, em substituição a Bernie Ecclestone, não lhe diz muito respeito. Mas nesse caso, especificamente, é interessante saber o que está em discussão. O futuro da F1, a partir de 2021, depende das decisões que serão tomadas em breve.

Carey, CEO da F1, e Bratches, diretor comercial, estão enfrentando a ira dos promotores de GP. A cada edição do evento, estes devem pagar para a Formula One Management (FOM) uma taxa de valor bastante elevado. Na Europa, com exceção de Mônaco, que recolhe menos, é de 25 milhões de dólares (R$ 95 milhões). Nações mais recentes inseridas no calendário pagam mais. Azerbaijão, Abu Dhabi, China, por exemplo, algo como 40 milhões de dólares (R$ 150 milhões). Os valores são confidenciais.

Os contratos têm, ainda, uma cláusula que aumenta ano a ano o valor da taxa a ser paga a FOM. Para os promotores privados, que não contam com o investimento dos governos, através das suas estatais, tornou-se quase impossível manter-se no calendário. Não há como pagar essa fortuna para a FOM, gastar outros 10 milhões de dólares (R$ 38 milhões) para organizar o evento e ainda ter lucro, sendo que parte da publicidade nos autódromos é explorada pela FOM.

Com as poucas fontes de receita que sobram aos promotores, onde a principal é a venda dos bilhetes, praticamente não há como tornar um GP rentável.

A associação dos promotores acreditou que com a saída de Ecclestone, linha dura para negociar, a nova FOM entenderia suas sérias dificuldades e, interessada em manter provas importantes no campeonato, procuraria viabilizar sua permanência. De que forma? Reduzindo o valor da taxa nos novos contratos e não aumentá-la a cada edição do GP. Mais: facilitar o pagamento.

Mas passados dois anos da ascensão do Liberty Media ao poder na F1, as lideranças da FOPA viram que Carey e Bratches não apenas não reviram a política anterior como até a recrudesceram. A gota d'água para os promotores se manifestarem publicamente foi a falta de coerência de Carey e Bratches em relação às conversas com os promotores de um GP em Miami, no Estados Unidos.

O Liberty Media deseja inserir uma corrida a mais de F1 no seu país. Para os negócios do grupo americano, tornar a F1 um esporte mais conhecido nos Estado Unidos tem grande importância. Ajudará a aumentar a sua receita a médio prazo. Hoje existe apenas o GP disputado em Austin, no Texas.

Precedente perigoso

O cenário de Miami era perfeito para a segunda corrida de F1. Mas ao fazer as contas do quanto precisavam para inserir Miami no calendário, os promotores viram não ser possível. Carey e Bratches propuseram uma forma de negócio que deixou os outros promotores loucos da vida. Haveria uma sociedade entre os organizadores da corrida na Flórida e a FOM. A entidade receberia uma parte do lucro.

O promotor da prova em Austin ficou estarrecido. Ele faz de tudo para honrar os compromissos. Está conseguindo a duras penas.

No dia 28 de janeiro a Fopa emitiu comunicado ameaçando a FOM de seus representantes deixarem de promover os GPs. O diretor da entidade, o inglês Stuart Pringle, diretor geral também do Circuito de Silverstone, já ativou a cláusula de rescisão de contrato com a FOM. Este ano, dia 14 de julho, a prova será realizada na pista onde a F1 começou sua história, em 1950, mas depois não mais. Ao menos se as condições para os promotores não melhorarem.

Além de desejar melhor condição nos contratos, a Fopa sinaliza que o crescimento das transmissões ao vivo nas redes de TV pagas a preocupa. Deverá reduzir o número de interessados em ir aos autódromos, aumentando ainda mais as dificuldades dos promotores por, como mencionado, ter na venda dos bilhetes sua principal fonte de receita.

Segundo o diretor da Fopa, a FOM não deveria priorizar os novos GPs em detrimento dos já existentes, sob pena de o calendário vir a ser formado, em um futuro breve, por nações de menor relevância no automobilismo mundial.

Times também insatisfeitos

Outra frente de batalha da FOM sob a liderança de Carey e Bratches, com a orientação técnica de Ross Brawn, é com os representantes das equipes. Os dois vêm da escola americana de fazer eventos e que nada tem a ver com a filosofia europeia, em especial a adotada na F1, em que cada time é obrigado, por regulamento, projetar e construir seus próprios carros.

O orçamento de uma escuderia apenas da F1, dentre as três mais eficientes, Mercedes, Ferrari e RBR, cerca de 330 milhões de dólares (R$ 1,2 bilhão), é quase o dobro das 12 da F Indy juntas.

A nova administração da FOM deseja impor uma redução dramática nos orçamentos das equipes de F1, redistribuir o dinheiro às equipes de forma mais justa, sem privilégios aos já ricos, e quer ainda fazer com que certos componentes sejam os mesmos para todos os competidores, como os sistemas de recuperação de energia, a fim de reduzir custos.

Há outras medidas igualmente antipáticas aos olhos dos grandes na F1, algumas sequer consideradas seriamente, como o limite de orçamento.

A primeira luta com os times a FOM já perdeu. Uma das suas bandeiras para 2021 era a introdução de um nova unidade motriz, em substituição a atual. Como as escuderias clientes pagam a seus fornecedores, Mercedes, Ferrari e Renault, o equivalente a 16 milhões de dólares pelo uso de seis unidades motrizes por ano, três por piloto, cada uma sai por alucinantes 2,5 milhões de dólares (quase R$ 10 milhões). Os americanos do Liberty Media dão risada dessa filosofia superelitista.

As unidades motrizes têm responsabilidade nas grandes diferenças de performance entre as equipes, com consequência negativas para o espetáculo, tornando-o mais previsível, com o agravante de fazer com que os carros não gerem mais o ruído inebriante caracterizador da F1 por décadas e tão apreciado.

Como nenhum novo construtor de unidades motrizes se interessou em criar a sua para a F1, diante da sua enorme complexidade e dos custos altíssimos, os atuais, os três fornecedores mais a Honda, bateram o pé e comunicaram a FOM que não partiriam para um projeto novo. Fica, portanto, tudo como está para 2021, em termos de unidade motriz.

Demorou menos do que o imaginado para a falta de conhecimento da F1 de Carey e Bratches se manifestar na plenitude. Esse quadro de incertezas do que pode acontecer no evento em 2021, bem como no seu calendário, este já a curto prazo, tem a ver diretamente com a forma como a nova administração da FOM conduz as negociações e com a natureza dos seus interesses, em geral contrários aos de muita gente com força na F1.

Como em quase toda proposta de mudança, em especial nas conceituais como defende o Liberty Media, é sempre muito difícil chegar a um acordo. O histórico da F1 sugere não haver meio de uma solução negociada. Mercedes, Ferrari, RBR não abrem mão de sua prerrogativa de ficar com a parte do leão na distribuição do dinheiro, por exemplo. E não aceitam um regulamento em que não os faça, por conta de orçamentos milionários, poderem produzir carros melhores que o da maioria.

Nos dias do GP de Singapura de 2016, Carey conversou com a imprensa, no paddock, enquanto se inteirava do que se tratava aquele esporte que em breve lideraria. Ele disse:

- Acredito saber como o pessoal aqui é resistente a mudanças. Mas tenho certeza de que conversando encontraremos as soluções que sejam do interesse de todos.

É provável que a essa altura Carey já não dissesse o mesmo. Nem mesmo contando com o mais bem preparado profissional técnico da F1, Brawn, para expor aos colegas os argumentos que justificam as alterações das regras, a FOM avançou no louvável projeto de tornar o sucesso no evento aberto a mais concorrentes, fruto, dentre outras razões, da redução nas despesas e simplificação de quase tudo.

Posturas como a de Carey e Bratches, recentemente, de procurar privilegiar os promotores do GP de Miami, colocam ainda mais lenha na fogueira, apenas elevam as tensões, o inconformismo. E até provável que sintam, hoje, saudade de Ecclestone. Com certeza esse clima de animosidade se estenderá para as negociações do novo regulamento, tornando as coisas ainda mais difíceis.

Globo Esporte

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