Raridade como técnicas, brasileiras tentam quebrar nova barreira no esporte

(Foto: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC)


A presença de mulheres no esporte brasileiro está praticamente restrita às quatro linhas, onde muitas são apontadas como exemplos de sucesso, mas, diante de uma ampla luta por igualdade de gêneros, é curioso que à beira dos campos e das quadras o predomínio seja masculino, com raras exceções.

As poucas que se aventuraram a trabalhar como treinadoras tiveram que enfrentar inúmeros obstáculos, como o preconceito, para fazer o que amam e chegar a um time de elite feminino. Única mulher a ocupar o cargo de técnica da seleção brasileira feminina de futebol, Emily Lima identificou, em entrevista à Agência Efe, o machismo como grande desafio para as treinadoras no cenário nacional.

"O problema não é falta de interesse ou falta de apoio, mas sim machismo. Vivemos em um país com uma cultura machista. Se você for pesquisar, em qualquer outra área, é só homem no comando", afirmou Emily, que atualmente é técnica do time feminino do Santos. "Algumas mulheres se propõem a se aventurar e brigar contra o sistema que a gente vive e conhece. Acredito muito nisso. Eu não estou nem aí para o sistema. Eu gosto de futebol, eu amo o futebol, eu estudo futebol para que possa trabalhar da melhor forma possível com o que eu amo", completou.

Demitida da seleção brasileira depois de apenas dez meses como técnica e com retrospecto de sete vitórias, um empate e cinco derrotas, Emily disse que o Brasil está atrás dos países de ponta quanto à inserção de mulheres no esporte e ao conceito de que elas podem, assim como os homens, exercer cargos de comando.

"Os países de primeiro mundo têm outra cabeça, já evoluíram muito mais do que nós, que estamos estacionados. Esse pode ser um fator para que lá fora tenha um maior número de profissionais mulheres, não só no futebol, mas em todas as áreas", disse.

A opinião da técnica é compartilhada por Aline Pellegrino, ex-zagueira da seleção brasileira e hoje coordenadora do Departamento de Futebol Feminino da Federação Paulista de Futebol (FPF).

"Sabemos historicamente que temos um país que precisa evoluir em muitas questões e o espaço da mulher na sociedade e no futebol é uma delas", disse a dirigente à Efe.

Na Copa do Mundo feminina de futebol, que será realizada na França entre 7 de junho a 7 de julho deste ano, mulheres são técnicas de apenas nove entre as 24 seleções: África do Sul, Alemanha, Escócia, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Japão e Tailândia.

O Brasil será comandado por Oswaldo Alvarez, o Vadão, com inúmeras passagens por equipes masculinas. Ele já havia dirigido a seleção feminina de 2014 a 2016 e retornou ao cargo em 2017, para substituir Emily.

Já na edição deste ano do Campeonato Brasileiro feminino, das 16 equipes participantes, somente duas são comandadas por mulheres: o Santos, por Emily Lima, e a Ferroviária, por Tatiele Silveira.

Emily Lima no comando das Sereias da Vila Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC
Se a predominância de mulheres como técnicas em esportes femininos ainda está longe de se concretizar, o salto para que elas comandem times masculinos soa como uma utopia. Mas, para a sueca Pia Sundhage, treinadora bicampeã olímpica com a seleção feminina de futebol dos Estados Unidos, a barreira não é a falta de capacidade das colegas de profissão, mas sim o preconceito.

"Há muita discriminação por ser mulher. Quando você fala em futebol, por exemplo, fica subentendido que se trata de futebol masculino. Quando perguntam sobre a possibilidade de uma mulher treinar um time masculino em alto nível, está errado. É preciso mudar isso. A pergunta é quando os jogadores estarão preparados para mulheres, porque as técnicas já são suficientemente boas para fazer isso", disse a atual treinadora das seleções femininas sub-16 e sub-17 da Suécia durante o evento "Somos Futebol", realizado na sede da CBF, no Rio de Janeiro, em abril.

Assim como no futebol, no vôlei e no basquete a presença das mulheres fora das quadras é muito pequena.

No vôlei, por exemplo, não houve sequer uma treinadora na edição 2018-2019 da Superliga Feminina, que conta com 12 equipes. A última mulher a comandar uma equipe na competição foi Sandra Mara Leão, pelo Uniara/Araraquara, em 2014-2015. Antes dela, Isabel Salgado havia comandado o Vasco na edição 2000-2001.

Para piorar, nenhuma mulher jamais treinou a seleção feminina, de acordo com dados da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV).

No basquete, existe um cenário semelhante: nenhuma mulher entre os técnicos dos 10 times da principal competição do país, a Liga Feminina de Basquete (LBF). Mas, para o atual treinador da seleção feminina, Antônio Carlos Barbosa, o cenário começou a mudar.

"Essa diferença já foi mais acentuada. Atualmente existem técnicas mulheres nas categorias de base do masculino e também na base do feminino", afirmou Barbosa à Efe, além de lembrar alguns nomes que já ocuparam o cargo de treinadora na elite.

"A Maria Helena Cardoso, a Heleninha, a Laís Elena e a Arilza (Coraça) foram as que mais tempo permaneceram como técnicas no adulto e na base. Outras ex-atletas tiveram um inicio, mas não deram sequência, como a Janeth e a Branca", comentou.

Maria Helena Cardoso, citada por Barbosa, esteve à frente da seleção feminina, auxiliada por Heleninha. As duas conquistaram o Pan-Americano de 1991 e levaram a equipe liderada em quadra por Paula e Hortência aos Jogos Olímpicos pela primeira vez, em Barcelona, em 1992.

Para Janeth, o incentivo para que mais mulheres se tornem técnicas poderia vir das confederações.

"Não sei o quanto e como, no basquete, CBB e LBF podem auxiliar. Mas, acredito que isso levaria muitas mulheres a querer estar à frente de seleções brasileiras", afirmou a ex-armadora. Aline Pellegrino, por sua vez, vê a busca das mulheres por espaço como um caminho a ser percorrido como vários outros que, no final, foram concluídos com sucesso.

"Poucos anos atrás, as mulheres não podiam sequer jogar futebol. É difícil imaginar que elas teriam a intenção de ser técnicas, árbitras, repórteres. É um processo, uma construção. Mas vai ser preciso abrir as portas para que essas mulheres tenham a oportunidade de mostrar seu trabalho", concluiu.

ESPN

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