O discurso de Marta diz muito sobre os impasses e decisões do futebol feminino

(Foto: Reprodução)


Por Uranio Bonoldi *


Umas das citações que fizeram mais sucesso de compartilhamento nas redes sociais desta semana foi a declaração da jogadora de futebol Marta após a seleção perder a vaga na Copa do Mundo feminina na França. "É isso que peço para as meninas: não vai ter uma Marta para sempre, não vai ter uma Formiga para sempre, não vai ter uma Cristiane para sempre. O futebol feminino depende de vocês! Valorizem mais! (…) A gente tem de chorar no começo para sorrir no fim. Querer mais, se cuidar mais, estar pronta para jogar 90 minutos e mais 30″.

A frase que foi aplaudida pelo grande público demonstra a insatisfação da maior artilheira de todas as Copas sobre as futuras gerações do futebol feminino. O pedido por resiliência e devotamento entre as jogadoras foi uma decisão sábia da jogadora seis vezes campeã do Bola de Ouro. O puxão de orelha serve como uma forma de alertar que é preciso dar sangue e lágrimas em uma modalidade esportiva que ainda não recebeu todo o destaque que merece.

Para entender melhor as dificuldades do futebol feminino é preciso saber que ele já foi considerado crime no país. Em 1958, times como Araguari de Minas Gerais batalhava por espaço ao mesmo momento que havia uma lei afirmando que: Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza. Naquela época os times burlavam algumas leis para continuar treinando em campos oficiais.

Atualmente, mesmo com o aumento da visibilidade na mídia o futebol feminino brasileiro precisa de mais apoio. Falta de público não é mais uma desculpa, já que durante a vitória da Austrália sobre o Brasil a audiência da Globo elevou 55% numa quinta-feira à tarde. Outra forma de apoio foi dada pelas empresas que liberaram funcionários para assistirem os jogos durante o horário de trabalho (prática comum no campeonato masculino).

Talvez o calcanhar de Aquiles da nossa seleção ainda seja o que a jogadora Thaisa apontou após a derrota no domingo. "O que eu sempre peço é um mínimo de estrutura para essa nova geração que está vindo. Não é salário alto nem nada, só infraestrutura para que elas possam treinar, se alimentar bem, para começar a evoluir e começar a ser considerada uma potência como a França".

Passando por anos de preconceito e falta de investimento, as atletas sofrem com baixos salários, desinteresse de marcas em investir na modalidade, nenhuma estrutura das equipes de base e falta de profissionalização da categoria. A camisa 10 da seleção feminina também ressaltou a disparidade de ganho entre os gêneros em uma recente entrevista. "Imagina o quanto eu ganharia e quantos patrocínios teria se tivesse os mesmos títulos, mas fosse homem?", disse. "Essa diferença tem que acabar, estamos abrindo caminho para as gerações futuras."

Diante desse cenário, vejo que o futebol feminino brasileiro vem crescendo. No entanto, é preciso ir além a partir do apoio de empresas e do Ministério dos Esportes. Sem essa tomada de decisão por parte de instituições públicas e privadas, dificilmente o quadro irá mudar. Quanto ao resultado do torneio? Sim, poderíamos ter ganhado. Mas será que com a taça na mão o problema da falta de incentivo na modalidade estaria sendo discutido?

Encerro, deixando meu viva e parabéns à seleção feminina de futebol pela garra, pelo amor à camisa e pelos resultados alcançados até aqui.

* Uranio Bonoldi atua como professor, conferencista e consultor em gestão, governança corporativa e planejamento estratégico, dando suporte a empresas que desejam crescer de forma estruturada.

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