Árbitro agredido defende banimento de jogador e desabafa: "Choro de alívio por estar vivo"

(Foto: William Oliveira/Guarani-VA/Divulgação)


Há menos de 10 anos na arbitragem, Rodrigo Crivellaro vivenciou uma situação dentro de campo que muitos experientes do apito jamais passaram perto de lidar. Na última segunda-feira, em jogo válido pela segunda divisão do Rio Grande do Sul, recebeu um soco no rosto e depois um chute na cabeça, que o deixou desacordado, do meia William Ribeiro, do São Paulo-RS.

Três dias depois do susto, o árbitro de 29 anos conversou por vídeo com a reportagem da RBS TV. Ele recebeu alta do Hospital São Sebastião Mártir, em Venâncio Aires, onde ocorreu o fatídico duelo entre o São Paulo-RS e o Guarani-RS, um dia após sofrer a agressão.

Como consequência do ato de violência, o juiz teve uma lesão na vértebra C6 da coluna cervical e poderá passar por uma cirurgia. Por 90 dias, precisará usar um colar de proteção e ficará impedido de exercer a profissão de personal trainer, muito menos na arbitragem.

Na entrevista, Crivellaro lamentou a perseguição de membros do futebol pela sua área de atuação, pediu providências e o banimento do jogador, que foi preso em flagrante e solto um dia depois por decisão liminar da Justiça. Por meio de seu advogado, William afirmou que "jamais assumiu o risco ou teve a intenção de matar o árbitro".

(O jogador) Tem que ser banido do futebol, de qualquer esporte. Futebol e violência não são sinônimos. Isso não pode acontecer em esporte nenhum.

— Rodrigo Crivellaro, árbitro agredido na Série A2 do Gauchão

De volta para casa, na cidade de Santa Maria, na região central do Estado, Crivellaro recebeu o acolhimento da esposa Maiara e do filho Alexandre, de um ano e dois meses. Quando relata o fato, que sequer recorda como aconteceu, ainda vai às lágrimas. Mas promete voltar a apitar.

Confira trechos da entrevista:

RBS TV - Começo na arbitragem

Rodrigo Crivellaro - Sempre gostei de esporte. Na Educação Física, a maioria escolhe esse curso porque gosta de esporte. Entrei na licenciatura em 2009 aqui na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria). Em 2012, o Rafael Klein, árbitro da CBF, que foi meu colega de faculdade, me convidou um dia: 'Vamos participar de um jogo de arbitragem, que ser bandeirinha?' Vamos lá. Desde então, comecei a gostar e, em 2016, entrei para o quadro da CBF".

Jogo mais especial

O primeiro jogo de todos. Foi um sub-17, aconteceu de tudo lá. Novo Horizonte x Cruzeiro, de Santiago, em Santa Maria. Foi 3 a 3, um pênalti para cada lado, dois expulsos, aconteceu de tudo.

Inspiração na carreira

Nosso conterrâneo Jean Pierre (Lima). Parceiro, amigo, baita árbitro, podia ter chegado na Fifa. É em quem eu me inspiro. Não deixou subir à cabeça.

Três meses parado pela agressão

Fiz uma ressonância, estou com uma lesão na cervical, na vértebra 6, uma lesão ligamentar. Vou ter que usar esse colar durante 90 dias, em casa, sem trabalhar. Se por acaso ocorrer um deslizamento das vértebras, vou ter que fazer cirurgia. Espero que não, mas se tiver que fazer, vai ser bem simples.

Choro de alívio por estar vivo. Pela situação que foi, poderia ter sido muito pior. Poderia nem estar falando com vocês aqui, poderia nem estar caminhando.

— Rodrigo Crivellaro

Já caiu a ficha?

Está caindo. Às vezes, falo com uma pessoa e choro, falo com outra, choro, e assim vai indo. Foi muito rápido, nuca imaginei que ia repercutir assim tão longe, tanto nacional quanto mundial. Mas aos poucos está indo. Graças a Deus, tenho minha família, isso vai me ajudar bastante nesses 90 dias.

Motivos do choro

Choro de alívio por estar vivo. Pela situação que foi, poderia ter sido muito pior. Poderia nem estar falando com vocês aqui, poderia nem estar caminhando. Então, eu dei muita sorte. Deus me salvou, com certeza. Estou feliz de estar bem, foi só um susto grande mesmo.

Sentimento ao ver a imagem da agressão

Na hora, não fiquei tão apavorado, não sei se não tinha caído minha ficha ainda. Não estava acreditando muito, não senti raiva do jogador nem nada. Sei que minha vida tende a melhorar, a vida do jogador só tende a piorar. Na verdade, não senti nada de mais, só chocado pelo violência que foi. Inexplicável, não entendi por que ele fez tudo isso.

Motivação da agressão

Não tem explicação, ele já devia estar com isso na cabeça, não sei. Daqui a pouco, ele pensou: "Estou em fim de carreira, meu último jogo, vou bater no árbitro porque nunca gostei de árbitro". Sei lá. Não tem explicação, não chamei a atenção dele em nenhum momento do jogo. Apenas um cartão amarelo por reclamação, que foi quando aconteceu tudo isso. Nada justifica. É a primeira vez na história que eu vejo isso aí acontecer. Na verdade, eu não vi, não me lembro de nada. Só lembro de acordar no hospital.

Recebeu algum pedido de desculpas?

Não. Apenas o presidente do clube (São Paulo-RS) entrou em contato, pediu desculpas, mas o jogador, não. Mais ninguém.

Isso te incomoda?

Não. Sou um cara bem tranquilo, bem de paz, não incomoda de forma alguma. Só espero que tenha justiça. É o que a gente espera.

Reveja a agressão do árbitro Rodrigo Crivellaro

Punição ao atleta

Tem que ser banido do futebol, de qualquer esporte. Futebol e violência não são sinônimos. Isso não pode acontecer em esporte nenhum.

Cultura do futebol contra a arbitragem

Dependendo do lugar que a gente vai apitar, já vai condicionado sabendo que vai se incomodar com certo time ou jogador. Infelizmente, é uma cultura brasileira. E isso vem lá da base. Educação de dentro de casa, depois de dentro dos clubes que formam os jogadores no infantil e, infelizmente, isso vai refletir no adulto. Errar é humano, e isso deveria ser respeitado em qualquer esporte. Muita reclamação. Teria que mudar alguma coisa, inibir que aconteça essas coisas, mudar algo na conduta de todos. É má educação.

O que precisa mudar?

Não vai ser simples mudar. Espero que meu caso sirva de exemplo, alguma coisa tem que mudar no futebol. É inadmissível acontecer isso no século 21, infelizmente.

Próximos meses sem trabalhar

Minha profissão é personal (trainer), sou profissional de educação física, dou aula em academia, a domicílio, online. Agora, nesses 90 dias parado, não tem como dar aula. Só prescrever treinos online, mas não vou poder estar presente com meus alunos. Estou vendo o que vou fazer ou não fazer, me manter para pagar as contas, porque os boletos não param de chegar. Vão bater aqui na porta de casa e vou ter que dar jeito de pagar.

Encontro com a família

Minha esposa, Maiara, foi a Venâncio Aires me encontrar, ficar comigo. Voltamos para casa e encontrei meu filho pequeno, Alexandre, de um ano e dois meses. Minha mãe, minha sogra, depois fui dormir, estava cansado, à base de remédios. Muito nervosismo, sem saber o que ia acontecer, bem nervosa a situação. Com o passar do tempo, vai baixar a poeira e, se Deus quiser, vou ficar bem e voltar para minha profissão e para o meu hobby, que é a arbitragem.

Vai voltar a apitar?

Ainda não pensei. Mas com certeza quero voltar a apitar. Como a gente diz, é uma cachaça, gosta muito do que faz. Mas acho que vai ser normal, não vou ficar pensando nisso. O negócio é seguir em frente, o que ficou para trás, ficou para trás.

Globo Esporte

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