FPF admite falhas na fiscalização e estuda criar duas divisões para o Paulista Feminino em 2022

(Foto: Ana Canhedo)


Se um gol é o ápice da felicidade em um jogo de futebol, é comum que goleadas virem motivo de festa - mas, se tratando de futebol feminino, pode haver exceções. Placares muito elásticos na categoria por vezes escancaram diferenças estruturais entre os clubes. É o caso da vitória do São Paulo por 29 a 0 contra o Taboão da Serra, pelo Paulista Feminino, na última quarta.

O Taboão da Serra, também conhecido como CATS, é um dos 12 clubes na disputa do Paulista Feminino. A equipe, como as demais instituições participantes, ingressou no torneio após um convite da Federação Paulista de Futebol. Sem condições de sustentar um time masculino ou feminino, o CATS fechou parceria com um projeto social de Embu das Artes, cidade vizinha a Taboão da Serra, para montar o elenco.

A goleada do São Paulo repercutiu e resultou em uma nota oficial da FPF. No comunicado, a federação reconheceu que “um controle mais rigoroso poderia evitar a exposição negativa das atletas e da comissão técnica". Ao ge, a coordenadora Ana Lorena Marche - que fez uma visita ao CT do Taboão antes do início do campeonato - disse que há “uma série de exigências, como estádio e infraestrutura”.

- Com a pandemia, esses pré-requisitos aumentaram, principalmente pelo protocolo de retomada, que é rígido, exige um médico responsável em toda a logística e gerenciamento das atletas, os testes de covid-19, medidas de isolamento e cuidados específicos. A FPF avalia as estruturas de todos os clubes filiados, não apenas no feminino - afirmou.

Em março, houve as primeiras reuniões entre FPF e clubes para definir questões relativas ao Paulista Feminino. O conselho técnico, no dia 28 de agosto, estabeleceu o início da competição para o dia 30 de setembro. No dia 5 de setembro, o pontapé inicial da competição foi adiado para o dia 18 de outubro.

Na prática, a federação paulista não tem jurisdição para cobrar infraestrutura diária dos clubes. A FPF faz o convite e estabelece os requisitos mínimos; se o clube conseguir cumprir com as exigências, não há qualquer fator impeditivo para a participação.

- Eles (Taboão) estavam com estádio liberado, protocolo de saúde em dia, médicos à disposição. Tudo que pedimos, eles tinham. Falamos com todos os clubes para confirmar a participação. Quem sentiu que não tinha condições saiu, como o Franca, que teve problemas com a liberação do local de treinos pela prefeitura - completou Ana Lorena.

Uma das principais exigências é a filiação à FPF - vale lembrar que, no futebol masculino, o Taboão é um time profissional. Além disso, os clubes devem estar livres de pendências judiciais. As equipes não podem, por exemplo, estar cumprindo penas ou envolvidas em questões com o conselho de ética.

Após o convite para participação no torneio, o clube precisa devolver à FPF um termo de compromisso, assinado por um médico, garantindo as condições sanitárias para a prática esportiva. Mesmo assim, a coordenadora Ana Lorena Marche lamenta não ter "encontrado uma solução" para fazer exigências mais rígidas.

- Eu acho, sim, que a gente deveria ter encontrado alguma forma de ter evitado (discrepância estrutural entre os clubes). Falhamos, podemos e devemos criar requisitos maiores para evitar. Estamos conversando com todos os departamentos da FPF, para achar formas de sermos mais exigentes. O futebol feminino está crescendo tanto, precisamos melhorar nosso produto - disse.

- O que a gente pretende é dar uma ajuda financeira aos clubes, que agora foi revertida em logística de jogo. Aumentamos muito o protocolo. Delegado da partida, uma ambulância a mais, tudo isso é pago pela federação. Não temos muito poder de fiscalização, mas temos poder financeiro para fazer com que os clubes melhorem suas estruturas.

A coordenadora afirmou, ainda, que a FPF separou uma verba - cifras não foram informadas - para ajudar os clubes em relação à infraestrutura, mas que, com a pandemia de coronavírus, a mesma foi remanejada para que os clubes pudessem cumprir os protocolos de saúde.

No regulamento geral de competições da federação, não há menções à capacidade mínima dos estádios (art. 22) para torneios amadores, como é o caso do Paulista Feminino. Em competições profissionais, as primeiras exigências passam por número de banheiros disponíveis, água quente nos chuveiros, tamanho do vestiário e similares.

O Protocolo de Operação de Jogo, redigido especificamente para o Paulista Feminino 2020, aborda questões voltadas, principalmente, à pandemia do novo coronavírus. A federação arca com o custo de até 30 testes por clube semanalmente, incluindo atletas, comissão técnica e demais funcionários envolvidos nas partidas.

Profissionalização do torneio

A Federação Paulista de Futebol planejava criar duas divisões para o Paulista Feminino já em 2021. Desta forma, seria possível profissionalizar ao menos a elite. Com a profissionalização, as exigências aumentam - é necessário, por exemplo, que todas as atletas recebam salários.

A contenção de danos devido à pandemia do novo coronavírus atrasou o andamento dos planos. Agora, a expectativa é de que haja duas divisões apenas em 2022. Essa ampliação do torneio já era discutida, inclusive, entre Ana Lorena e Aline Pellegrino - esta deixou a FPF para assumir o cargo de coordenadora de competições da CBF.

O número de clubes disponíveis também é um empecilho. Para participar do Paulista Feminino, ou quaisquer torneios da FPF, é necessário que a agremiação seja filiada à federação. Há clubes, como o Realidade Jovem, antigo Rio Preto, que possuem a licença especial para a prática do futebol feminino.

- Com 12 clubes, você não consegue criar duas divisões. Um torneio com seis times não é atrativo. Não dá para fazer só um quadrangular pequeno, tem que ter um número bom de jogos. A pandemia complicou tudo. Antes disso, teríamos 15 jogos só na primeira fase - completou Ana.

Infraestrutura dos 12 clubes do Paulista Feminino:

Corinthians: Todas as atletas do clube possuem registro em carteira e recebem salários. O vínculo delas é feito nos mesmos moldes da categoria masculina. Os treinos são realizados no CT das categorias de base, do lado do CT Joaquim Grava. O clube oferece além de um campo para treinamento, academia, departamento médico, de fisioterapia, fisiologia e nutricional, acompanhamento psicológico e em comunicação, suporte administrativo, um ônibus exclusivo para a modalidade, auxílio-moradia, auxilio-alimentação, toda a grade de uniformes em modelos femininos e nos tamanhos utilizados pelas atletas, além da estrutura de comissão técnica, que também inclui análise de vídeo, preparação física e preparador exclusivo para goleiras.

São José: Os treinamentos são realizados em diversos campos da cidade. A equipe de futebol feminino de São José dos Campos tem apoio do Fundo de Apoio ao Desporto Não Profissional (FADENP). O repasse do fundo vem aumentando desde 2018: em 2017, foram R$ 841.500 destinados à categoria; em 2018, esse número subiu para R$ 877.000. No ano passado, a FADENP destinou R$1.077.420,60 ao São José e, em 2020, foram R$ R$ 1.027.872,43. Atletas e comissão técnica recebem salários mensalmente.

Bragantino: Clube assina a carteira das atletas e estabelece um vínculo profissional. Todo o elenco recebe salário. Os treinos são realizados na Hípica Jaguari, em Bragança Paulista. O clube fornece a mesma estrutura do futebol masculino profissional, com o mesmo departamento (médica, fisioterapeutas, analista de desempenho, supervisor e coordenadora).

Taubaté: Nenhuma atleta ou membro da comissão técnica tem carteira assinada. Todos os integrantes do futebol feminino recebem salários, pagos pela Prefeitura da cidade por meio do FADAT (Fundo de Assistência ao Desporto Amador de Taubaté). A maioria dos treinos da equipe é realizada no Estádio Municipal Félix Guisard. Por meio dos patrocinadores, o Taubaté provém estrutura, alojamento, alimentação, uniformes das atletas. Na volta da pandemia, o clube inaugurou um departamento médico e de fisioterapia. Jogadoras que desejem fazer o ensino superior têm bolsa integral em uma universidade parceira, em Pindamonhangaba.

São Paulo: Todas as atletas e funcionários têm carteira assinada desde o retorno do projeto, em 2019. Todas as jogadoras recebem salário e os treinos são realizados no CT da Barra Funda e no CFA de Cotia. Elas se alojam no Morumbi e tem todas as refeições inclusas, além de assistência médica.

Realidade Jovem: Não assinam carteira das jogadoras e não existe vínculo contratual com o clube. Praticamente todo o elenco recebe ajuda de custo da prefeitura, além da disposição de dois campos para treinamento. Clube oferece alojamento, alimentação e faculdade integral.

Santos: Todas as atletas recebem salário de maneira CLT. O clube paga as jogadoras com carteira assinada desde 2015 - um dos primeiros do Brasil a implantar esse modelo de pagamento. Os treinos acontecem no CT Meninos da Vila. Elas possuem um campo exclusivo para as atividades. O clube disponibiliza uma comissão técnica exclusiva para a equipe feminina, com preparadora de goleiras, analista de desempenho, roupeiro, massagista, fisioterapeuta, assessor de imprensa e social media. O clube também paga uma moradia para todas as jogadoras em imóveis na cidade de Santos. Elas também possuem uniformes próprios, com seus nomes neles. Alguns jogos oficiais também acontecem na Vila Belmiro.

Ferroviária: A Ferroviária assina carteira de trabalho das atletas e todas recebem salário. Os treinos são realizados no CT do Pinheirinho e no Estádio da Fonte Luminosa, mesmo local de treinamento do masculino. O clube disponibiliza toda estrutura do masculino também ao feminino, com todos os departamentos integrados às duas modalidades: departamento médico, marketing e comunicação e psicologia e desenvolvimento humano. Todas as refeições são feitas no clube, além de alojamento disponibilizado e locomoção para treinos.

Nacional: O clube optou por não entrar em detalhes sobre o assunto. Acrescentou que é o primeiro ano do Nacional Feminino em parceria com o Projeto Social 9 (PS9), que venceu a Taça das Favelas no ano passado, e que o clube procura dar uma boa estrutura para as jogadoras.

Palmeiras: O Palmeiras conta com dois tipos de vínculos: o CLT ou por contrato de imagem. A opção de escolha fica por conta das atletas. Todas são remuneradas. Inclusive, em meio à pandemia, as jogadoras seguiram recebendo os salários de forma integral. Os treinos da equipe feminina são realizados no estádio Nelo Bracalente, em Vinhedo, já que o clube conta com uma parceria com a Prefeitura da cidade. Por isso, todas as atletas moram no local. Em questão de estrutura, além do estádio, o Palmeiras dispõe de um espaço com departamento médico, fisioterapia, rouparia, sala de vídeo e sala de reuniões. As atletas também utilizam uma academia e um restaurante da cidade, ambos parceiros do clube. Neste ano, a equipe feminina também começou a jogar no Allianz Parque.

Juventus: Não tem carteira assinada, nem nenhum tipo de contrato profissional. As atletas recebem ajuda de custo, psicólogo, nutricionista, alimentação, transporte, uniformes e bolsa estudo de 50 a 70% no São Judas. Treinam todos os dias no Clube Atlético Juventus

Taboão da Serra: Antes da pandemia, o clube tinha algumas parcerias, então teria alojamento, alimentação e um valor "salário" previsto em contrato assinado no valor de R$500. Com a pandemia, o Taboão perdeu os patrocínios e, agora não recebem nenhum auxílio financeiro do clube. A única remuneração recebida até agora foi por parte da Federação Paulista, que distribuiu um valor arrecadado através de um leilão virtual com itens doados por atletas e ex-atletas. De acordo com o clube, materiais esportivos estão sendo confeccionados por empresa parceira.

Globo Esporte

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