O psicológico dos atletas nos Jogos Olímpicos de Tóquio

(Foto: Reprodução)


Por Nicholas Araujo
Redação Blog do Esporte


As Olimpíadas de Tóquio têm, além do desafio da pandemia, superar um outro desafio: o psicológico dos atletas. Não podendo ter a companhia de familiares na Vila Olímpica, muitos competidores sentiram a solidão, o peso pela vitória e a responsabilidade de servir o país.

O grande exemplo disso foi a ginasta norte-americana Simone Biles, que fez uma competição bem apática e sinalizou que não iria lutar por medalhas para cuidar da saúde mental. Biles acabou levando apenas o bronze na disputa da trave.

Nesse sentido, o que leva ao atleta ao chegar no ápice da pressão e deixar uma competição, como foi o caso de Biles? O Blog do Esporte conversou com a psicóloga Daniela de Oliveira, pós-graduada em Psicologia do Esporte e em Práticas Psicológicas Institucionais pelo Instituto Sedes Sapientiae, além de ex-atleta profissional, para entender melhor o que se passa na cabeça de um atleta. Confira a entrevista:

Nicholas Araujo: Por que o acompanhamento psicológico dos atletas é importante?

Daniela de Oliveira: Os atletas vivem constantes e altos níveis de exigência. Têm que performar em 100% de sua capacidade, muitas vezes em poucos segundos, e estar atentos a detalhes cruciais para sua máxima eficiência. Além de estarem em busca de suas melhores marcas pessoais, ainda temos a comparação da competição. Fazer um acompanhamento psicológico ajuda o atleta a lidar com as altas complexidades do sistema esportivo, as pressões vivenciadas, melhorando foco de atenção, resiliência, traçar metas e estratégias, aprendendo a lidar com as exigências internas e externas.


Nicholas: Como o psicólogo pode ajudar o atleta neste momento?

Daniela: O psicólogo do esporte elabora um programa de desenvolvimento de competências psicológicas junto com atletas e técnicos que favorecem a performance.


Nicholas: Quais são os principais desafios que o atleta tem que encarar ao disputar uma competição como as Olimpíadas?

Daniela: Atletas são pessoas que estão sempre superando seus limites. Em uma competição como as Olimpíadas, que só acontecem de quatro em quatro anos, temos muitas variáveis que operam de maneiras diferentes influenciando o nível de exigência dos atletas. Um dos fatores que temos operado nos Jogos Olímpicos é a própria história mitológica que envolve os Jogos. Aquele que ganha os Jogos Olímpicos é um herói, cumpre uma jornada mítica. É considerado o evento esportivo mais importante do mundo, ou seja, é o evento de maior visibilidade e, para muitos esportes, o único em que existe uma real chance de serem conhecidos. Atualmente, isso tem um peso grande porque entra em jogo a sobrevivência do atleta, pois conseguir manter patrocínios depende do resultado dos jogos. 

Ainda temos o fato de que os Jogos Olímpicos têm um histórico de ser usado como ferramenta política, uma disputa de poder entre os países. Aquele que vence no número de medalhas é o supremo, tem mais heróis. Tudo isso está em jogo, opera de maneira subliminar, sutilmente afetando os atletas (que muitas vezes não se dão conta das forças que estão em jogo). 

Hoje em dia ainda temos as mídias sociais. O atleta tem que lidar e cuidar da opinião alheia, da imagem que passa e o que fala. E, ainda temos a pandemia que mudou completamente o cenário dessa última edição. Todos esses fatores aumentam o nível de pressão externa, podendo influenciar no nível de pressão interna do atleta.


Nicholas: Na sua opinião, no caso da ginasta Simone Biles, faltou um acompanhamento psicológico?

Daniela: É muito difícil opinar sobre um atleta que não acompanhamos ou não conhecemos. Apenas temos informações por meio das mídias e aquilo que é contado. É uma atleta que teve uma história de grandes desafios, abusos e preconceitos. Não podemos saber, na edição anterior dos Jogos ela era uma promessa e saiu como um acontecimento. Nesta Olimpíada entrou como a favorita, com maior exigência, o que pode ter sido um dos fatores que afetou seu desempenho mental. 

Não tenho a informação se ela estava ou não fazendo um acompanhamento psicológico. Geralmente os EUA são bem fortes nessa área, então acredito que sim. O que podemos dizer é que ela teve uma boa percepção de si mesma para entender o seu limite, isso requer inteligência emocional. É um desenvolvimento sutil de saber até onde podemos nos arriscar, qual o nosso limite para não entrarmos em colapso, isso exige autoconhecimento. 

Talvez uma boa questão seja pensarmos no mito e nas expectativas que criamos em relação aos atletas, aos heróis, que não podem ter/mostrar fragilidades e limites. 


Nicholas: A pandemia tem afetado os atletas mentalmente?

Daniela: Cada atleta vivenciou a pandemia de maneiras diferentes. Cada país foi atingido de maneira diferente e adotou medidas diferentes, afetando os cidadãos de maneiras diferentes. Isso realmente é uma experiência muito particular que pode ser influenciada pela preparação psicológica. O acompanhamento de um profissional de saúde mental ajuda a desenvolver estratégias de enfrentamento para momentos como esse. 


Nicholas: Li recentemente que a solidão dos atletas na Vila Olímpica, sem a companhia de algum familiar, pode ter afetado a cabeça de alguns deles. Como a família pode ajudar em um momento desses?

Daniela: A maioria dos atletas já têm o costume de viajar para competições sem os pais e, muitas vezes, sem os técnicos. Faz parte da carreira do atleta. Temos algumas exceções com os atletas muito novos, como no caso da skatista brasileira Rayssa, com apenas 13 anos, que teve o acompanhamento da mãe liberado, inclusive para estar dentro da Vila Olímpica. Os familiares podem ajudar o atleta estando perto na distância. Conversas, vídeos, textos, são meios que temos de estar próximos. 


Nicholas: As redes sociais podem provocar essa solidão e desequilíbrio mental do atleta?

Daniela: Redes sociais são uma faca de dois gumes. Tudo depende da forma como o atleta vai utilizar as redes sociais. Se expor, logo antes das competições, pode trazer complicações, pois existem aqueles comentários que sempre podem mexer em algum ponto delicado. Ao mesmo tempo, é onde a torcida está hoje em dia, pode também ser um motivador. É necessário aprender a usar as mídias de maneira saudável, aprendendo a dar o peso certo para as relações virtuais, mantendo sempre o foco nas relações reais, nas pessoas que dão suporte para a vida e que estarão ao lado do atleta independente do resultado. É necessário construir um autoconceito e uma auto estima independente da imagem das mídias sociais, trabalhando na auto valia independente do resultado e da performance. O atleta, hoje, tem que aprender a lidar com a mídia, a pensar suas respostas e a forma como vai se posicionar diante de questões importantes. Essas são apenas algumas coisas que podem ser trabalhadas.  


Nicholas: Na sua opinião, a mente é levada tão a sério quanto o físico do atleta? Falta entendimento do atleta que o psicológico é tão importante quanto o físico?

Daniela: Ainda não. O meio esportivo ainda entende a preparação mental como um adendo. Essa visão tem mudado gradativamente, mas ainda falta o entendimento que a anatomia é emocional, nosso corpo e nossos movimentos são emocionais. A maneira como nos experimentamos, como sentimos, é uma ação sobre nós mesmos. As emoções são micro movimentos da pele para dentro que constroem como faremos os movimentos da pele para fora, ou seja, ao voltarmos a atenção para o aspecto emocional do atleta estamos cuidando da qualidade de presença deste atleta antes, durante e depois das competições. Estamos cuidando da humanidade que existe na imagem do herói. 


Nicholas: Vivemos uma época de desequilíbrio? As pessoas estão mais suscetíveis a problemas psicológicos?

Daniela: Sim, temos visto um aumento grande na incidência de transtornos mentais. A exigência por sempre superar limites e ser sempre mais rápidos, responder sempre mais rápido e estar sempre conectados, cheios de informações, nos leva a estados constantes de alerta, aumentando os níveis de inflamação do corpo, as doenças relacionadas ao estresse e transtornos mentais. Esse modo de ser tem sido fomentado em nossa cultura mundial, não apenas no meio esportivo. O esporte é um recorte em que isso aparece em maior intensidade.

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