Hudson cita falta de humanidade por jogos no Maracanã e diz que Flamengo e Vasco deveriam "dar exemplo"
(Foto: Lucas Merçon / FFC) |
O Fluminense realizou, nesta quarta-feira, a sua primeira coletiva de imprensa desde o retorno aos treinamentos, na última sexta. Através de uma videoconferência, o volante Hudson, de máscara, seguindo os protocolos de higiene, atendeu os jornalistas durante cerca de 40 minutos. O retorno do Campeonato Carioca, claro, foi o tema mais abordado - após decisão do STJD, o Tricolor volta a campo neste domingo, contra o Volta Redonda, às 19h, a princípio, no Maracanã.
Despontando como um dos líderes do atual grupo tricolor, o jogador de 32 anos, que também costuma se manifestar nas redes sociais, foi firme em seus posicionamentos. Criticou a volta dos jogos em um momento em que a pandemia de coronavírus ainda não está sob controle no Rio de Janeiro, classificou como "sem humanidade" jogar no Maracanã ao lado de um hospital de campanha (clube deseja levar estas primeiras partidas para outro estádio, como o Nilton Santos ou São Januário) e disse acreditar em "interesses externos e internos" para o retomada imediata do futebol.
- É lógico que é muito difícil jogarmos futebol, que é o esporte do país, que comove o país inteiro, que é a paixão de milhares de torcedores que vivem por isso e parecer que não está acontecendo nada lá fora. O maior exemplo disso é o Maracanã, que tem um hospital de campanha dentro do complexo e a gente fazer um gol e ter uma pessoa morrendo do lado. Isso é, no mínimo, estranho, sem humanidade. É não pensar no próximo.
"A gente tem noção das coisas quando acontece perto da gente, com um familiar, com um parente próximo, e talvez as pessoas responsáveis por toda a programação, pelo calendário, não estejam agindo com a maior humanidade possível, estejam agindo por interesses externos e internos. Infelizmente, como jogadores de futebol, teremos que superar tudo isso para poder estar em campo e performar em alto rendimento", disse Hudson.
Confira a coletiva
Hudson falou também sobre o manifesto que os jogadores do Fluminense publicaram em conjunto. Quase todo o elenco tricolor postou nas redes sociais um texto condenando o retorno dos jogos pelas questões de saúde pública e criticando o pouco tempo de preparação, que aumenta o risco de lesões dos atletas.
- Partiu da gente esse manifesto. Claro que nossa maior preocupação possível é com as pessoas que estão morrendo, nos hospitais, mas também com nossa capacidade física, com a probabilidade muito maior de se lesionar em uma partida. Em um jogo não tem como se poupar, tem que dar o máximo sempre e isso exige muito fisicamente, principalmente no futebol de hoje em dia, que é muito mais físico que antigamente.
- Estamos há mais de três meses parados. Imagina voltar a jogar com menos de dez dias de treinos. Com o corpo se adaptando ainda à bola, ao gramado, a todas as situações que somente um treino presencial podem preparar o corpo do atleta. Na nossa pré-temporada, que ficamos 30 dias de férias, na primeira semana tivemos várias lesões musculares. Então imagina ficar mais de 90 dias e ter que voltar em dez? Isso agora, porque ainda queriam que voltássemos antes. É um desgaste completamente desnecessário, para que o bom senso prevaleça em tudo que é o melhor para todo mundo. Dez dias ainda é pouco, não há como negar, mas teremos que superar, mais uma vez.
Em mais de uma ocasião, Hudson citou acreditar em "interesses internos e externos" para a volta do futebol no Rio de Janeiro. Perguntado sobre quais seriam esses interesses, o volante não quis se alongar, mas disse que Flamengo e Vasco teriam que "dar exemplo" e citou a necessidade financeira dos clubes pequenos.
- Não tem só Flamengo e Vasco. Tem clubes pequenos que precisam do futebol mais ainda do que os grandes para se manterem. É a oportunidade dos jogadores para se mostrar, conseguir contratos para o segundo semestre. Flamengo e Vasco são grandes equipes do futebol brasileiro, deveriam dar o exemplo de um posicionamento em que vemos alguns favorecimentos já acontecendo na parte externa, que não vou me alongar muito aqui, não cabe a mim. Eu me preocupo muito com o futebol em si e as partes externas elas têm que ser resolvidas externamente e eu tenho que me preocupar em performar. Mas tenho uma opinião muito bem formada que, confesso às vezes, não detalhar, explicar muito, para que não venha a polemizar mais do que já está sendo polêmico o futebol brasileiro neste momento.
Veja mais declarações de Hudson
VOLTA AOS JOGOS
É uma situação completamente inusitada, não só para nós jogadores, mas também para vocês jornalistas. Estamos tendo que nos adaptar. Estamos tendo que ter muito jogo de cintura, um psicológico muito forte. Vivemos uma situação de calamidade pública no país inteiro, estamos ainda com números muito altos. Isso tudo ainda é uma preocupação para a gente. E ainda assim temos que pensar em entrar em campo, ter um alto rendimento. Tempo de preparação curtíssimo após mais de três meses parado. Temos que superar tudo isso e procurar fazer o melhor jogo possível e honrar a camisa do Fluminense, o trabalho que nosso presidente tem feito, que está nos dando orgulho. É uma situação inusitada, que temos que superar.
RETORNO PRECOCE PODE ATRAPALHAR TIMES DO RJ NO BRASILEIRO
É uma questão de lógica, bom senso, saber que os outros estaduais vão começar em meados de julho e vão terminar começo de agosto e o Carioca podendo terminar muito antes, com duas, três semanas de antecedência. Podemos ficar esse mesmo período sem jogos, o que traz dificuldade em ritmo de jogo, sequência, padrão tático/técnico da equipe. O time com ritmo de jogo e sequência tem tendência em desempenhar melhor. Ficamos meio sem entender essa pressa com essa volta tão precoce, no momento em que se atinge o segundo maior número de mortes no Brasil. Mas estamos aqui para cumprir nossas obrigações. Estou louco para voltar a jogar, mas é um momento que poderíamos esperar um pouco mais.
INFLUÊNCIA DE MÁRIO NO MANIFESTO?
Nós, jogadores, temos um grupo entre nós e achamos importantíssimo nos posicionar, mostrando nossa preocupação com a parte física e de preparação, que foi o ponto em que batemos. Não conhecia um dirigente como o Mário, compactuo muito da visão dele, do posicionamento dele. Mas o manifesto foi exclusivamente pensado em nossa condição física, preparação e performance. Porque quando tivermos dentro de campo, seremos cobrados de igual forma, não vai ter “ah, é momento de adaptação”. O jogador tem que render em alto nível, então nossa preocupação é essa, de em um momento como esse sequer termos a possibilidade de termos uma preparação devida, como todo profissional deve ter em todo ramo de trabalho.
ELOGIOS AO PRESIDENTE DO FLU
Eu tenho 32 anos e, na minha carreira, já joguei por vários clubes. Não tinha conhecido um presidente tão transparente e tão preocupado com o que os atletas pensam, com a instituição, com os torcedores… Ele é um cara que trabalha exclusivamente para o Fluminense, não pensa em fatores externos, em qualquer tipo de favorecimento a terceiros. Ele pensa o que é melhor para o Fluminense e para o futebol brasileiro. Nós, jogadores, com nosso entendimento, conseguimos perceber isso muito bem.
VÃO FAZER ALGUM PROTESTO NO JOGO?
O protesto em si, o que fazer, ainda não nos programamos. Claro que nossa indignação é visível. Ninguém esconde que é muito cedo para voltar a jogar perante a tudo que está acontecendo. Nosso manifesto foi muito claro, para todo mundo entender o que se passava na cabeça dos jogadores, exclusivamente. Foi a decisão mais importante dos jogadores, de se posicionar, de saber o que um atleta pensa. Importante também lembrar que é um momento em que estamos muito preocupados em nos preparar fisicamente, ter contato com a bola, tático, técnico… O Odair tem muita coisa para passar para relembrarmos. Estamos focados nisso esses dias nesse tempo tão curto, para estarmos o melhor possível no dia do jogo.
COM QUANTOS % FLU ENTRA EM CAMPO NO DOMINGO?
É muito difícil falar uma porcentagem. Até porque tivemos um período de treinos em casa, mas eram muito aleatórias as condições de treino de cada atleta. Tinha atleta que só podia treinar em uma varanda, outro que podia em um espaço um pouco maior, outro que conseguia ter um gramado soçaite na residência… Então cada um está em uma forma diferente fisicamente. É uma incógnita como o Fluminense performará em questões físicas, quem aguentará mais, quem aguentará menos. Em dez dias não dá para ter uma base física que iguale todos os jogadores de maneira homogênea. É uma boa pergunta, mas que só terá resposta após o jogo.
COMO SE MOTIVAR PARA JOGAR EM CENÁRIO TÃO ADVERSO?
Quando a gente entra no campo para treinar, procuramos esquecer qualquer fator externo. No jogo isso acontece também. Mas a preparação é um pouco prejudicada com essas indecisões de datas, de retorno, de horário, de locais… Isso tudo atrapalha a programação da diretoria, da comissão técnica. Por exemplo, se há um jogo daqui a dois dias, deve-se baixar a carga de treino, para que o atleta esteja 100%, mas se for daqui a cinco dias, pode pegar mais pesado. São coisas que variam e que, claro, prejudicam a preparação. Sabemos que é uma readaptação. Não tem como ser tudo perfeito, tudo normal como poderia ser.
POSICIONAMENTO DO FLU
Não é puxando sardinha ou qualquer denominação que possam falar porque é o presidente do clube, muito pelo contrário. Ele é um cara consciente e se posiciona muito bem como responsável pela instituição. Eu, no lugar dele, me posicionaria igual. É um momento muito difícil estar tendo que jogar futebol, paixão da maioria dos brasileiro, enquanto o país vive um momento dificílimo. Várias pessoas estão deixando de fazer suas coisas, mas o futebol precisa voltar com urgência sem a preparação devida? Muito estranha essa pressa em voltar no Rio de Janeiro, um estado que é o segundo mais atingido no Brasil, enquanto estados com menor índice não estão com tanta pressa. Converso com jogadores de outros clubes e o posicionamento dos estados, diretores, jogadores, é que tem que ser uma volta gradual, sem pressa, sem atropelar… Na minha visão, o futebol está voltando com tanta pressa por causa de diversos interesses internos e externos. Só não enxerga quem não quer, mas temos que conviver com isso. Tenho um contrato com o Fluminense que tenho que cumprir, tenho que jogar bola, em alto rendimento. Mas como jogador, de uma instituição do tamanho do Fluminense, tenho que expor minha opinião e deixar claro o que penso o que é melhor para mim, para o clube e para o futebol. E essa precocidade na volta, para mim, não é o melhor, não é o momento oportuno para isso. Teria que ser uma volta com mais calma.
ATLETA COM COVID-19
Em relação ao atleta que está com Covid-19, se recuperando, por uma forma ética achamos melhor não falarmos sobre quem seja. Ele já está se recuperando e logo logo estará entre nós.
COMO SERÁ O DIA A DIA COM A VOLTA DOS JOGOS?
É uma adaptação jogar sem torcida, jogar futebol, que é um esporte tão alegre, constrastando com o momento do país, de mortes, contaminações, de hospitais cheios… No futebol de hoje já é uma luta psicológica muito grande. Perante a uma situação como essa teremos que nos preparar ainda mais. Hoje em dia nos preparamos muito para dar uma entrevista, porque tudo que falamos pode gerar dois sentidos ou até mais. Agora imagine um jogo de futebol em um momento tão difícil, em que o país está tentando se reerguer, abaixar a curva de contaminação e mortes e voltarmos a fazer uma coisa normal no dia a dia, sendo que nada está normal lá fora.
ELOGIOS À TORCIDA E UNIÃO COM CLUBE E JOGADORES
O Fluminense, em um todo, está sendo um exemplo nesta situação e tenho certeza que será lembrado por estar se posicionando assim. A torcida, como sempre, está apoiando o clube, compactua com as ideias do presidente, está junto dos jogadores. Nas redes sociais, recebemos mensagens diariamente de incentivo e apoio ao nosso posicionamento. Eles têm dado exemplo de abraçar o clube em um momento difícil não só para o clube, mas para todos. Estão se esforçando ao máximo para ajudarem o clube a honrar os compromissos. É exemplar a atuação da torcida. Isso nos motiva ainda mais, nos dá alegria de poder voltar a jogar futebol. É uma torcida que merece o melhor do Fluminense e é por isso que estamos brigando, a diretoria está brigando e brigaremos dentro do campo.
Globo Esporte
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário!