Conflito de liminares põe CBF em encruzilhada e repete "caso Gama"



Na primeira partida da final do Brasileiro de 1997, Edmundo levou o terceiro cartão amarelo e estaria suspenso do jogo decisivo, no Rio. Mas forçou propositalmente o segundo, levou o vermelho e foi expulso. Com isso, poderia ser julgado pela expulsão e entrar com efeito suspensivo. Foi o que fez e acabou jogando a segunda partida.

A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) está diante de uma encruzilhada jurídica. Nos últimos dias, tribunais de Rio de Janeiro e de São Paulo emitiram liminares contraditórias sobre punições que o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) aplicou a Flamengo e Portuguesa em 2013. Para resolver a celeuma, a entidade que comanda o futebol nacional terá de dar um passo que lembra um episódio de 1999 e indica qual pode ser o futuro do atual processo.

Flamengo e Portuguesa foram punidos pelo STJD por terem escalado jogadores em situação irregular na última rodada do Campeonato Brasileiro. Ambos perderam quatro pontos, em decisão que rebaixou a equipe do Canindé para a segunda divisão nacional e evitou o descenso do Fluminense.

Na última semana, contudo, torcedores das duas equipes tiveram sucesso ao contestar essas decisões na Justiça comum. O juiz Marcello do Amaral Perino, da 42ª Vara Cível de São Paulo, emitiu liminares favoráveis a torcedores de Flamengo e Portuguesa e determinou que a CBF devolva os pontos retirados das duas equipes.

A sentença do magistrado paulista foi baseada em ações que apontaram infração de lei federal. Flamengo e Portuguesa foram punidos com base no artigo 133 do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), mas o entendimento de Amaral Perino é que o dispositivo foi revogado em 2010 pelo Estatuto do Torcedor, que tem artigo contrário e hierarquia superior.

Na terça-feira, dois torcedores do Fluminense tiveram sucesso em ações que contestam essa visão. Ambos conseguiram liminares que ratificam a decisão do STJD e mantém o rebaixamento da Portuguesa.

O primeiro a ter sucesso foi Alexandre Corrêa Geoffroy, que entrou com uma ação no Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos. "Minha ideia não teve qualquer sentido clubístico. Conversei com muitos amigos advogados, muitos deles flamenguistas, e só fiz isso para defender a legalidade. Queríamos que fosse cumprida a decisão do STJD", explicou o jurista, que é torcedor e sócio do Fluminense.

A 2ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também emitiu liminar favorável ao Fluminense. A decisão do juiz Mario Cunha Olinto Filho referiu-se a um processo movido por Victor Campos, que também é torcedor do Fluminense. Mais uma vez, a sentença foi ratificar o que havia sido determinado pelo STJD.

Com as decisões contraditórias, é necessária uma unificação de decisões. Para isso, a CBF precisa recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e alegar um conflito de competência.

Se isso acontecer, caberá ao STJ a definição de um tribunal responsável por concentrar todas as ações relacionadas ao caso. E essa escolha colocará os processos nas mãos de um tribunal cujo entendimento já é conhecido.

"Há dois caminhos aí. A CBF pode alegar que há várias ações, cada uma com audiência em dia e lugar diferentes, e que ela é a parte comum. Portanto, a concentração deve ser feita em um local mais cômodo para ela. O STJ também pode dizer que as ações são sobre direito do consumidor e que o interesse do consumidor é maior do que o da CBF. Aí, mantém-se o que é mais favorável ao consumidor", explicou Luiz Roberto Martins Castro, advogado que integra o conselho deliberativo do IBDD (Instituto Brasileiro de Direito Desportivo).

Em 1999, o São Paulo foi punido por ter escalado em situação irregular o atacante Sandro Hiroshi, que havia adulterado a idade. Por isso, o time tricolor perdeu os três pontos conquistados em goleada por 6 a 1 sobre o Botafogo, que herdou os pontos. Isso salvou a equipe alvinegra do descenso e condenou o Gama à segunda divisão.

A queda de braço sobre o rebaixamento desembocou em tribunais da Justiça comum. No dia 14 de novembro, o Sindicato dos Treinadores do Distrito Federal e a seção brasiliense do PFL (Partido da Frente Liberal) conseguiram liminar para que o Gama fosse mantido na elite nacional.

Depois, o Botafogo obteve liminar confirmando decisão dos tribunais esportivos. Estava posta uma situação similar ao imbróglio atual, com liminares contraditórias em diferentes partes do país. A CBF alegou conflito de competência e recorreu na época ao STJ. O tribunal definiu que todas as questões deveriam ser julgadas no Distrito Federal.

"A CBF pode alegar conflito de competência, expor as duas liminares e perguntar qual delas a entidade deve seguir. E aí não existe um prazo para uma decisão. A menos que a CBF mostre que há perigo na demora e que isso pode acarretar em prejuízos financeiros caso prejudique o início do próximo Campeonato Brasileiro", disse o advogado Marcelo Góes.

Se a CBF consultar o STJ e mostrar que necessita de urgência, o tribunal pode emitir uma liminar sobre o conflito de competência. Isso concentraria as ações em uma área favorável (no Rio de Janeiro) ou hostil (em São Paulo) à entidade.

Inicialmente, a CBF agendou o início do Campeonato Brasileiro de 2014 para o dia 20 de abril. De acordo com o Estatuto do Torcedor, a tabela da competição precisa ser divulgada ao menos 60 dias antes do início.

UOL Esporte

Comentários