Presa, verba de R$ 70 mi sai do alcance de 2016 e ameaça Olimpíada de 2020





















Verba será destinada a projetos de formação de atletas olímpicos

O prazo que o Brasil tinha para formar uma geração vencedora para os Jogos Olímpicos de 2016 já acabou: novos atletas estão se destacando, parte da elite que foi a Londres se mantém na ativa e ainda restam quatro anos de preparação, mas é improvável que alguém deixe as escolinhas de formação para conseguir a vaga. Os investimentos para a criação da próxima geração de ídolos, no entanto, estão em parte paralisados: por falta de comunicação, verba garantida por lei segue presa sem poder beneficiar clubes formadores - cerca de R$ 70 milhões que já não farão diferença para a próxima Olimpíada, mas miram os Jogos de 2020.

Promulgada em março de 2011, a Lei 12.395 alterou a Lei Pelé e determinou que 0,5% dos valores arrecadados em loterias e concursos sejam destinados a projetos de formação de atletas olímpicos e paralímpicos. A Confederação Brasileira de Clubes (CBC), que recebe a verba, não pode fazer o repasse, já que alega que é necessária uma regulamentação: é preciso definir diretrizes e critérios para que os interessados se manifestem. O valor começou a ser arrecadado no início de 2012 e já chega aos R$ 70 milhões, segundo informou ao Terra o presidente da entidade, Francisco Antônio Fraga.


“Serão recursos auditados, fiscalizados pelo tribunal de contas e é por isso que têm que andar em linha absolutamente reta. São recursos públicos que têm que ser cuidados e muito bem fiscalizados, devem ter clareza absoluta de como podem ser aplicados”, afirmou. Não há uma definição sobre isso, no entanto. Francisco Fraga afirmou que esperava uma resolução por parte do governo para “logo”. O Terra contatou o Ministério do Esporte, que respondeu via assessoria afirmando que a entidade é livre para empregar os valores como bem entender.

"A regulamentação da “nova” Lei Pelé (alterada pela lei 12.395/2011), nos itens que expressamente determinam aplicação de acordo com regulamentação, está em análise nas instâncias competentes do governo federal. Porém, no que tange ao repasse de recursos à Confederação Brasileira de Clubes (CBC), não há necessidade de regulamentação. A Confederação pode fazer uso dos recursos que já estão disponíveis assim que julgar conveniente", informou o ministério.


A burocracia não impedirá a distribuição da verba uma vez que a questão seja resolvida, segundo o presidente da CBC. Os clubes interessados terão de elaborar projetos que serão avaliados por uma comissão mista, composta por membros da entidade, do sindicato de atletas e do Ministério do Esporte. A avaliação seguirá um regimento e contará com parecer jurídico do Tribunal de Contas da União. “Vai ser muito rápido”, disse Fraga, sob a expectativa de conter o atraso que pode desconcertar o esporte olímpico no País.

“Uma verba como essa não tem foco no imediato, mas no prazo médio e longo, que é investir na formação de atletas seguindo uma tese clássica: você investe muito na base para tirar alguns atletas de ponta. É o que fizeram todos os países que têm atletas no pódio”, complementou o Francisco Antônio Fraga. É por isso que esses R$ 70 milhões já estão fora do alcance dos Jogos de 2016. Além disso, não devem aliviar a dificuldade dos clubes ou impedir o que se repita o que aconteceu com o Flamengo, com tradição em esportes olímpicos, mas que recentemente fechou as equipes profissionais de natação, ginástica e judô.


Ninguém faz um atleta em menos de oito anos. Isso não existe”, disse ao Terra Suzana Pasternak, assessora da presidência para gestão de recursos ao esporte do Pinheiros, de São Paulo, uma das potências brasileiras no assunto. O clube arrecada recursos pela Lei de Incentivo ao Esporte e mantém atletas de alto rendimento com patrocínios, planos de carreira e outros benefícios como o bolsa-atleta, esse destinado pelo governo diretamente aos competidores. “Projetos que trabalham com planos anuais ou bianuais não vão trazer resultados. Existe toda uma programação que tem que sair da base”, apontou.

























Diego Hypólito ficou sem clube para treinar com fim das equipes flamenguistas

Para chegar a esse patamar, o Pinheiros teve de se profissionalizar para aproveitar ao máximo as receitas obtidas, processo pelo qual também passou o Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, outro protagonista no cenário dos esportes olímpicos no Brasil. “O esporte olímpico no Brasil não é autossustentável. As dificuldades dos clubes são enormes”, confirmou Paulo Prado, vice-presidente de esportes da entidade. Ele relatou ao Terra problemas para obtenção de incentivos governamentais por conta de trâmites burocráticos, embora eles agora estejam abastecendo o clube.

Atualmente, o Grêmio Náutico União tem três projetos pela Lei de Incentivo ao Esporte. Um convênio firmado junto ao Ministério do Esporte, por exemplo, permitiu a captação de R$ 7 milhões para compra de equipamentos. A maior dificuldade reside na questão de patrocínios privados. “O empresariado gaúcho não investe em esportes, é muito recente em relação a isso, talvez até por culpa nossa. A gente nunca se abriu muito, agora começamos a trabalhar isso. Mas todas as tentativas foram negadas, é difícil”, disse o dirigente.


Por isso, a manutenção de atletas de alto nível é tão complicada no Brasil. A aposta na revelação de atletas é uma constante no País, mesmo em clubes como o Flamengo: encerrou o projeto de atletas de alto nível, mas mantém as escolinhas de formação. Quando se profissionalizam, os custos ficam maiores e o apoio quase sempre surge depois que os resultados apareceram. Para 2013, primeiro ano do ciclo dos Jogos de 2016 e véspera da Copa do Mundo de 2014, os problemas crescem bastante.




















Rafael Silva e Tiago Camilo são dois atletas de ponta do elenco do judô do Pinheiros

“No Brasil, a mentalidade é imediatista. Quando começa a chegar próximo da Olimpíada e já tem atleta se destacando, aí surgem os patrocínios”, afirmou Paulo Prado. O Grêmio Náutico União sofre para fechar a conta do esporte olímpico justamente pela dificuldade em arrecadar verba externa – a mensalidade dos associados e das escolinhas sustentam boa parte da estrutura olímpica. O Pinheiros, por sua vez, declarou não passar por dificuldades. “É questão de mostrar resultado no final. A gestão precisa ser profissional”, apontou Suzana Pasternak.


Há preocupação com a situação dos clubes no Brasil. O Ministério do Esporte informou ao Terra que está "em fase de gestação uma proposta de renegociação das dívidas" com a União das entidades que investem em esporte olímpico.

Uma das hipóteses que ajudaria os clubes a bancar os atletas profissionais seria usar a verba acumulada na CBC para desonerar as categorias de base, investindo o dinheiro restante nos profissionais, que custam caro: usam fisioterapeutas, departamento médico, nutricionistas, fisiologistas e psicólogos, fazem viagens para competições e treinamentos. Essa seria uma solução meramente paliativa.

“Se você já não estiver fazendo os dois (base e alto rendimento), é difícil. Não é porque vai ter um resultado a mais na base, que vai resolver. Se você não dá continuidade, não forma valores da instituição e não consegue captar recursos”, opinou Suzana Pasternak. “Esse raciocínio é possível”, admitiu Francisco Antônio Fraga. “Se o clube tiver possibilidade, pode reinvestir o dinheiro que poupar na base. Mas a verdade é que não está fácil mesmo para eles se bancarem”, complementou.

Terra





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