Eles querem levar a queimada, aquele jogo de criança, à Olimpíada














Tem gente que leva as coisas a sério demais. No caso do americano Mark Acomb, fundador da mais competitiva liga de queimada dos EUA, isso chega a ser motivo de orgulho. O time do qual ele faz parte treina até cinco horas por semana. Quando não estão treinando, estão discutindo tática durante o jantar. Passam horas conversando sobre variações de jogadas e maneiras de melhorar suas habilidades. Chegam a filmar seus movimentos em quadra para analisá-los depois. Viajam o país para competir em torneios nacionais e têm patrocínio para dedicar mais tempo ao esporte.

O esporte deles, você leu direito, é a queimada, atividade que tem diferentes nomes em várias regiões do Brasil (baleado, matada, barra bola, caçador, cemitério, mata-soldado, guerra). Há dez anos, era apenas uma brincadeira de aulas de educação física (o que continua sendo na maior parte do mundo), mas hoje em lugares como os EUA e o Canadá já virou o que eles chamariam de serious business (coisa séria).

"Hoje, nosso time é a nata daqui", afirma ele sobre a equipe batizada sugestivamente de Elite Team. "Temos viajado o país inteiro para mostrar nosso nível competitivo. O objetivo é fazer disso um esporte profissional. Jogamos com bolas de borracha que podem ser lançadas a 118 km/h."

Em culturas de língua inglesa, o esporte é conhecido como dodgeball, uma palavra formada a partir do verbo to dodge, que dignifica desviar. Embora as regras sejam diferentes das praticadas no Brasil (eles usam várias bolas ao mesmo tempo, por exemplo), o objetivo é o mesmo: acertar os jogadores do time rival e eliminá-los da quadra.

Bill Fair, o presidente da Federação Mundial de Queimada, descreve os ambiciosos planos da modalidade: "[Virar um] esporte olímpico é o objetivo final, mas isso é em longuíssimo prazo. Para começar o processo, nós precisamos unificar o esporte e criar federações e organizações em cada país." O que eles já fizeram: organizaram três campeonatos mundiais de queimada (na Malásia, na Nova Zelândia e em Hong Kong). O próximo, em 2015, está marcado para acontecer em Las Vegas, nos EUA.

O cartola afirma que em todo país existem 65 entidades que organizam o esporte, e cada uma é responsável por alguns campeonatos. Ao todo, ele acredita que há milhares de jogadores levando a queimada mais ou menos a sério.

Com a bola toda

Tudo começou há dez anos, quando o ator Ben Stiller estrelou um filme lançado no Brasil como "Com a Bola Toda". Foi a primeira vez, diz Bill Fair, que os EUA viram uma brincadeira que todos  conheciam dos tempos de escola sendo jogada por adultos. "Depois do filme, alguns jogos entre adultos começaram a aparecer aqui e ali e, eventualmente, jogadores que praticavam com mais frequência começaram a ficar melhores", afirma Fair. Não demorou para eles quererem competir com outros do mesmo nível.

Torneios começaram a aparecer, alguns envolvendo prêmios em dinheiro. Os times passaram a desenvolver melhores estratégias e treinar com regularidade para as competições. Regras começaram a ser unificadas em todo o país. Os melhores times viajavam para o exterior para trocar experiências com jogadores de várias partes do mundo. "Em cada lugar existem as especificidades do esporte, e cada um colocava na mesa suas experiências e nos ajudava a melhorar", diz Mark Acomb, que tem 29 anos e começou a jogar queimada a sério há seis anos durante uma fase em que ele tinha muito tempo livre para ocupar – Acomb trabalha na indústria cinematográfica de Hollywood, que viveu uma greve de roteirista e ficou parada.

Bullying

Mas no mundo da queimada, nem tudo são flores. Um esporte cujo objetivo é acertar o adversário com bolas que podem viajar a até 100 km/h já chegou a ser proibido em algumas escolas americanas sob o argumento de que ele poderia estar sendo usado por alunos valentões para praticar bullying sobre outros mais fracos.

Existe inclusive um movimento de especialistas em educação que veem a queimada como uma atividade prejudicial à formação infantil, porque desenvolveria instintos agressivos nas crianças. Algumas poderiam se machucar, principalmente por causa de boladas na cabeça. De fato, um vídeo que ficou popular entre os praticantes mostra um jogador sendo atingido violentamente na cabeça por uma bola em altíssima velocidade. O lance é mostrado por vários ângulos e em câmera lenta.  

Algumas ligas já proibiram os headshots. Outras não apenas o permitem, como o incentivam. "Eu gosto de comparar a queimada ao MMA ou a boxe", diz Acomb. "É um dos poucos esportes em que o objetivo não é fazer pontos, mas acertar o adversário antes que ele te acerte."

Ele acredita que desviar, pular, agarrar a bola e atirá-la pode um dia ser uma profissão. E ele fala sério.

As diferenças

No Brasil, em geral, há dois times e uma bola. O objetivo é usá-la para acertar um adversário. Cada adversário atingido, morre e vai a uma área atrás do time que o acertou, o que em algumas regiões é conhecida como cemitério, e de lá continua jogando. Se um jogador agarrar uma bola e não deixá-la cair, aquele que tentou matá-lo é que morre.

O presidente da federação mundial não sabe por que as regras são tão diferentes nos EUA. Lá, são usadas várias bolas ao mesmo tempo (em geral, seis). Cada time precisa matar os adversários, mas os mortos saem de quadra e só podem voltar se alguém do seu time agarrar uma bola atirada sobre si.

De acordo com Bill Fair, essa é a modalidade jogada na maior parte dos países do mundo. As regras "brasileiras" seriam usadas apenas em alguns lugares do Japão e da China.

UOL Esporte

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