Exclusivo: perda da F-1 faz Coreia do Sul acordar para o automobilismo

(Foto: Luis Fernando Ramos/Ico/UOL)
















“Você vai encontrar um cadeado no portão e nada mais”, apostou um colega da sala de imprensa da Fórmula 1 quando contei meus planos de visitar o Circuito Internacional da Coreia, em Yeongam, para ver como anda o lugar que sediou um GP pela última vez em 2013. Era também o meu palpite.

Afinal, me lembro bem de ver, em 2010, a prova acontecendo num autódromo sem acabamento – foi preciso até mandar soldados do exército para ajudar a aprontar o local num nível aceitável. A prova aconteceria outras quatro vezes, sempre com público reduzido e sem muita repercussão no noticiário local.

O contrato inicial da corrida previa sua realização até o ano de 2016. Mas já no ano passado ela não ocorreu. O surgimento de um GP da Coreia da Sul no calendário provisório deste ano surpreendeu a muita gente, mas foi só um instrumento para Bernie Ecclestone cobrar a multa prevista no contrato para a não realização da prova. Quando saiu o calendário definitivo, o evento foi descartado. O mesmo deve acontecer no ano que vem.

Prejuízo de R$ 450 milhões, pago na maior parte pelo contribuinte

A corrida em Yeongam foi uma ideia do ex-governador da província de Jeollanam-do, onde fica o circuito. Park Joon-Yung via na corrida de Fórmula 1 uma maneira de colocar no mapa uma das regiões menos conhecidas do país asiático. Localizado no extremo sul da península, a mais de 300 quilômetros da capital Seul, o projeto inicial para o local da prova era ambicioso, prevendo a construção de uma cidade no meio do traçado. Isto foi fundamental para atrair a atenção de Bernie Ecclestone.

Mas só a pista saiu do papel. Num país onda a cultura do automobilismo é inexistente, o público local jamais se interessou por uma categoria que mal tinham ouvido falar. E o prejuízo foi se acumulando a cada ano, até a conclusão em 2013 de que sairia mais barato pagar as multas pela não organização da prova. Nos quatro anos em que o GP aconteceu, o prejuízo ficou na casa de 190 bilhões de Wons (cerca de R$ 450 milhões).

A conta caiu em sua maior parte nas mãos do contribuinte. Embora o evento tenha recebido alguma ajuda do governo federal, o grande baque ocorreu mesmo nas finanças de Jeollanam-do. O que motivou uma ação legal contra Park e outras dez pessoas envolvidas na organização feita por um grupo civil batizado de “Futuro Brilhante Feito por Cidadãos”. O processo tramita na promotoria da cidade de Gwangju, capital da província.

Circuito assume o papel de desenvolver cultura do automobilismo local

Não havia um cadeado no portão do Circuito Internacional da Coreia. Havia sim uma guarita com um segurança. E muita gente trabalhando no escritório da administração, situado no complexo dos boxes das categorias nacionais, situado após a curva 3 do traçado. Nenhum sinal de abandono, a não ser pelas placas indicando os caminhos de estacionamento e arquibancadas da corrida de 2013 que continuam no lugar.

Fui o primeiro jornalista estrangeiro a aparecer ali desde 2013 e pude conversar com o administrador Yun Hyun Ju. “A Fórmula 1 saiu daqui porque não havia público. Quando houver, a corrida pode voltar para cá”, afirmou. O trabalho de desenvolver a cultura do automobilismo no país está sendo levado a sério.

Neste ano, serão 250 dias de atividades no circuito, um número incrível especialmente para um país que possui um inverno rigoroso. Boa parte deles são para testes privados da indústria automobilística, especialmente da Hyundai. Mas ainda sobram 166 dias reservados exclusivamente para o esporte a motor. O ponto alto acontece no mês de maio, quando a pista recebe a abertura do “Asian Festival Of Speed”, um evento que reúne quatro categorias sancionadas pela FIA, incluindo os campeonatos de Grã-Turismo e o continental da Porsche Cup.

Mas há espaço também para corridas de motovelocidade, de off-road (numa pista de terra situada onde estaria a cidade que nunca será construída), campeonatos de kart e muitas categorias nacionais, algumas delas surgidas do interesse de grupos de amadores que se organizaram e conseguiram a sanção da federação local. Em determinadas datas, a pista é aberta também para pessoas andarem com seus próprios carros mediante inscrição – que vêm aumentando consideravelmente.

Outras iniciativas incluem uma escola de engenharia mecânica voltada ao automobilismo e a criação de uma área de camping que tem até um estádio de beisebol, o esporte número 1 dos sul-coreanos.

A manutenção de um circuito cheio de atividades é também uma maneira do atual governo de Jeollanam-do aproveitar sua existência. Com outro autódromo aberto em 2013, o Inje Speedium na província de Gwandong, ao norte do país, o automobilismo na Coreia do Sul vai finalmente dando os seus primeiros passos. Sem a Fórmula 1, mas sonhando em um dia voltar a recebê-la.

UOL Esporte

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