Parreira explica convite do Fla e vê Flu dependente

Sem saber que o Flamengo venceria o Atlético-MG por 3 a 1, na noite de quinta-feira, Carlos Alberto Parreira, em entrevista naquela manhã, elegantemente descartava um acerto com o clube rubro-negro. Aos 66 anos, rico e realizado profissionalmente, expõe as conversas com Kleber Leite e Delair Dumbrosky, admite que se sensibilizou com a ideia de ter a seu lado Fabio Luciano, mas pôs na balança o risco de assumir um time em ano de eleição. Tudo isso respaldado também pela experiência de dirigir equipes no andamento da competição com elencos que não tiveram o seu aval.

Na manhã de quinta, Parreira contou que as conversas telefônicas tinham parado. A vitória sobre o Santos, no domingo, com Andrade à frente da equipe interinamente, diminuíra o assédio. A ponto de o tetracampeão mundial entender que no momento a melhor solução era a manutenção do ex-volante, confirmado no último sábado pela diretoria do Flamengo como o novo técnico. Assim, evitando se expor e de olho em propostas com planejamento, ele segue curtindo a família e assistindo aos jogos do seu Fluminense, que, aliás, não escapou de duras críticas do ex-comandante.

Você foi procurado pelo Flamengo?

Fui. No dia em que o Cuca caiu (23 de julho), o Kleber (Leite) me telefonou à noite me convidando para um jantar. Disse: "Parreirinha, quero você com o Fábio Luciano na minha comissão técnica. Vamos jantar". Fábio Luciano me adora, eu gostei muito do convite, mas pedi que o nosso encontro fosse no dia seguinte, um almoço. Eu já tinha um compromisso naquela noite, ia passar também um jogo do Fluminense na televisão (2 a 1 a favor do Atlético-MG). Então adiamos o encontro.

E ele aconteceu?

Não! O combinado foi o Kleber me ligar às 10h para acertarmos o local. Às 10h, ele me telefonou dizendo que não aceitava comando duplo (seria uma insinuação à queda de braço entre ele, então vice de futebol, e Delair Dumbrosky, presidente em exercício) e que às três (15h) ele ia se demitir. Explicou também que ele e o Plínio (Serpa Pinto) vão se candidatar na eleição no fim do ano. Mas, mesmo assim, disse que o Delair estava sabendo de tudo e iria me telefonar.

E como foi a conversa?

(Refletindo) O que aconteceu? Sou amigo do Kleber há 20 anos. A proposta inicialmente me interessou, sim. Mas, pensando bem... é ano de eleição, ninguém vai querer fazer um contrato de um ano, de um ano e meio com um treinador, sendo que em janeiro o novo presidente pode muito bem mudar a comissão técnica. E aí o clube tem que ficar pagando indenização ao técnico. Não me sinto confortável nesta situação.

Mas houve a conversa?

Sim. O Delair me telefonou e marcamos um outro contato. Não tinha o número dele registrado no meu celular, mas vi que depois ele havia ligado outras vezes enquanto eu estava ocupado. Vi as chamadas perdidas e aguardei uma nova ligação, que acabou não acontecendo. Aí o Flamengo ganhou do Santos e não me ligaram mais. A melhor opção para o Flamengo hoje é o Andrade. Já está lá dentro, conhece bem o clube, tem identificação com a torcida. Está ganhando. Não sei se iam me telefonar novamente, não sei se seria o ideal assumir o clube em ano de eleição.

Com isso pelo menos você revela que ainda não se aposentou como técnico?

Para assumir um clube hoje só com um projeto. Nada de pegar times no fim do campeonato e lutando para não ser rebaixado. Quero planejamento. Não quero pressão por resultado. Sei que isso vai sempre existir, mas que se tenha mais paciência, que se acredite no trabalho do treinador.

Você acha que faltou isso nessa sua passagem pelo Fluminense?

Ali foi uma coisa estúpida. Faltavam ainda 25 ou 26 rodadas (Parreira saiu após a 10ª rodada, portanto, restavam 28 jogos) para terminar o campeonato. Meu contrato era até o fim do ano. Eu nunca na minha vida levei um time para a Segunda Divisão. E me demitiram por telefone. Uma coisa estúpida.

Você sente mágoa?

Não. Mágoa, não. É um sentimento de frustração, mas não fiquei chateado com eles (diretoria). Só achei que deveriam me chamar para uma reunião e me comunicar ali. Não da forma como foi, por telefone. Fizeram isso comigo. Se fizeram isso comigo, o que não são capazes de fazer com outros treinadores?

E não te ligaram?

(Com cara de desapontado) O presidente (Roberto Horcades) me telefonou um ou dois dias depois dizendo aquelas coisas, aquelas coisas, prefiro, você sabe. Não é bom nem falar. E aí falou de um projeto sobre assumir Xerém. Eu respondi: "Presidente, quando tiver dinheiro, e não promessa, a gente senta e discute". Ah! Quero projetos, não estou mais em idade. Não preciso mais disso.

Você acha que faltou respeito?

Claro que o futebol é resultado, e existe pressão pelo resultado. Mas a gente estava acertando as coisas. Sete meninos tinham sido integrados ao elenco principal. Entre eles o Dalton (zagueiro). O Kieza era outro jogador que logo ia ser utilizado. (Risos) Ele veio do Americano. Nos primeiros treinos, chegava atrasado, se enrolava, perdia a hora. Normal, precisava se adaptar. Veio do Americano para o Fluminense, clube grande. A gente estava tendo essa paciência com ele.

É a cultura de demitir o treinador?

Veja bem. Tem o patrocinador, tem o presidente do clube, o vice de futebol, o diretor, o técnico, a sua comissão técnica, os médicos, fisioterapeutas, preparadores físicos e trinta e tantos jogadores. (Rindo de forma sarcástica) É fácil demitir o treinador se as coisas não derem certo, né? E aí você tira o treinador e resolve o problema? O nível do nosso trabalho era muito bom. Outro dia conversava com o Marquinhos (Marcos Seixas, preparador físico também desligado) e o Eutrópio (Vinícius, seu auxiliar) e disse que faria tudo de novo.

O que você acha do elenco do Flu?

É desequilibrado. Não diria que é ruim. Por exemplo, o Luiz Alberto deu certo com o Thiago Silva na Libertadores porque eles se completavam. A gente precisava de um zagueiro experiente, um meia-direita, um atacante e dois laterais. Os dois (laterais) que estão lá não têm o peso que o time merece. A gente precisava de reforços, de equilíbrio. Eu dizia que queria um Conca pela direita. Teve jogador (Roger, Leandro e Jaílton, que acabaram rescindindo o contrato) que já estava queimado quando eu cheguei. Queimado com o clube, com a torcida... Eu até os escalei, insisti, mas já estavam queimados.

Você falou em atacante. Notou o Fred desanimado? Acha que ele fez a opção errada de voltar para o Brasil?

Ele não demonstra. Mas talvez deva se sentir um pouco frustrado.

Você foi campeão pelo Fluminense nas décadas de 70, 80 e 90. Ficou a sensação se frustração por não ter repetido a dose desta vez?

Ficou sim. Queria muito ser campeão novamente pelo Fluminense.

Qual a diferença do Fluminense de hoje para os das décadas anteriores?

A gente tinha um clube aristocrático. Hoje é muito burocratizado. O patrocinador aparece muito. O clube é que tem que aparecer mais que o patrocinador. Não deveria depender tanto do patrocinador. Mas nem acho que é culpa do patrocinador. Talvez as coisas tenham chegado a esta situação por omissão do clube. Se você me perguntar, não sei te responder quem é o patrocinador do Real Madrid. Quem é o patrocinador do Manchester United? E no Fluminense só se fala no patrocinador.

Existe mágoa com o patrocinador?

Eles me ligaram dois dias depois da minha saída e me pagaram direitinho. Veja bem, a cogestão não é boa, mas ninguém paga o que Fluminense paga, e paga em dia. O Celso (Barros, presidente do patrocinador) é importante para o Fluminense. Sem ele, o Fluminense não teria o time e a história recente que tem.

Faltam profissionais do ramo na gestão do futebol brasileiro?

Você pode ter um médico ou um economista dirigindo o clube. Porque o cara às vezes tem visão empresarial, mas o cerne do futebol deve estar na mão de quem tenha vindo do futebol. Veja, por exemplo, os modelos do Bayern de Munique e do Real Madrid. No Bayern, tem lá o Bierhoff (Oliver, ex-atacante da seleção alemã e integrante da comissão técnica da seleção) e no Real, o Butragueño (Emilio, ex-jogador e vice-presidente).

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