Movimento Futebol Melhor sofre para impactar torcedores

Ronaldo e Cafu são os principais garotos propaganda do projeto Foto: Futebol Melhor / Divulgação

Ronaldo e Cafu são os principais garotos propaganda do projeto

Muitos, muitos interesses em comum. Empresas de inúmeros segmentos, clubes, supermercados e até agências de publicidade. Para levar a campo seu plano Movimento por um Futebol Melhor (MFM) há um ano, a Ambev precisou aglutinar as pretensões de muitas pessoas e grupos diferentes. A começar por Ronaldo: garoto propaganda da Brahma, ele assumiu o papel de dar uma cara ao projeto. Mas também precisava receber uma cota de tudo isso. 

Assim, embora seja a "agência número um" nos trabalhos da Ambev, a África não foi a única agraciada pelos milhões destinados à iniciativa. Companhia de marketing de Ronaldo, a 9ine também foi chamada ao projeto. Além das duas empresas, mais interesses para se alimentar. Por isso o MFM ainda fechou contrato com uma terceira, a Banco de Eventos.

Passados muitos meses, enquanto celebrou um ano recentemente, a Brahma (marca do grupo Ambev) e os muitos parceiros envolvidos se perguntam como será possível cumprir as ambiciosas metas estipuladas para o MFM até a Copa.

A principal delas era agregar 1 milhão de novos sócios aos 46 clubes credenciados. Segundo dados oficiais, 700 mil foram atingidos, mas as equipes se perguntam é sobre os recursos. Nos times mais populares do País, a Ambev estimava um acréscimo de R$ 30 milhões por ano nas receitas. Ao Terra, o presidente de um grande clube confirmou esse número há um ano. Mas só uma porcentagem pequena, de fato, chegou aos cofres.

Como funciona (ou deveria funcionar) o Movimento por um Futebol Melhor

Qual o processo idealizado?
Primeiro, torcedor se torna sócio do clube. Na compra de centenas de produtos conveniados, torcedor dá seu CPF para ter descontos. A ideia é que os descontos preencham o que é pago pelo torcedor para  ser sócio de seu clube.

Empresas pagam aos clubes?
Não, a ideia é que cada vez mais torcedores se tornem sócios dos clubes, que assim aumentariam suas receitas. As empresas usam as marcas dos clubes para vender mais produtos. Os torcedores têm descontos para ser sócios. 

Por que ainda não vingou?
É difícil saber quem virou sócio por conta do Movimento, mas pode se calcular o sucesso por meio dos descontos fornecidos. O número oficial é de R$ 25 milhões totais após um ano. Muito aquém do esperado. 

Como fazer vingar?
Investir mais nos supermercados. São mais de 2.700 conveniados em todo o país, mas praticamente não há sinalização. O consumidor não é abordado sobre o Movimento. As várias propagandas na televisão não foram didáticas e pouco incentivaram a adesão. 

Quais empresas integram?
Shell, Multiplus, OPTe+, Editora Abril, BIC, Ambev, Unilever, Danone, Bradesco, Burger King, Pepsico, Netshoes, SKY e TIM

Dirigentes do Movimento também admitem melhora urgente no segundo ano

Em solenidade de um ano do MFM, dirigentes confirmaram a impressão de que há muito que ser feito. "As pessoas precisam saber que isso existe e que isso funciona. E isso é função de todos nós, de todas as empresas", disse Marcel Marcondes, diretor de negócios de esportes da Ambev. "A gente percebe que ainda tem uma desconfiança grande das pessoas", afirmou Luiz Eduardo Baptista da Rocha, presidente da SKY.

Além da eventual desconfiança citada por Luiz Eduardo, o que parece haver de fato é desconhecimento. Nos últimos dias, a reportagem fez compras em cinco grandes supermercados paulistas diferentes. Em nenhum deles encontrou sinalização referente ao Movimento Futebol Melhor e sequer foi abordada para que se associasse para ter direito a descontos. Assim, é difícil acreditar que o torcedor seja motivado a virar sócio.  

Clube grande do Rio relata impacto quase zero no quadro de associados

Não foi por falta de recursos que não decolou. Só nos primeiros seis meses, segundo oTerra apurou, R$ 65 milhões foram investidos. Uma parte considerável foi destinada a três campanhas diferentes do Movimento e propagandas com Ronaldo, Cafu, Vampeta, Júlio Baptista e Réver. Nada que explicasse o funcionamento do processo. Para o diretor de marketing de uma grande equipe do Rio, o foco está errado. 

"Os clubes que tiveram grande crescimento em sócios, se você observar, é porque tiveram desempenho esportivo forte. O Cruzeiro (campeão brasileiro), o Flamengo (da Copa do Brasil) e o Palmeiras (da Série B). A comunicação massificada, focada no humor, não fala com o torcedor e a mensagem se perde. Hoje o programa só serve para o torcedor não deixar de ser sócio, porque perderia os descontos", comenta, em condição de anonimato. 

"A tese da Ambev, de que o torcedor virou sócio por causa dos descontos, para mim, não vingou", acrescenta. "Não dá para calcular com precisão o impacto que tivemos. Mas pelo que temos de relatórios do atendimento, pela ouvidoria, pelas mídias sociais e pelo processo de adesão, o impacto do MFM em números de sócios foi nenhum aqui no clube", relatou. 

Ambev tentou de tudo no futebol. E teve algumas dores de cabeça

Envolver os grandes clubes, como o Corinthians, ainda é principal meta do Movimento Futebol Melhor Foto: Futebol Melhor / Divulgação

Envolver os grandes clubes, como o Corinthians, ainda é principal meta do Movimento Futebol Melhor

A Ambev já teve que dar alguns dribles para investir no futebol. Na Copa de 2002, Ronaldo, garoto propaganda da Brahma, celebrava seus gols com o número um. Uma alusão subliminar à "cerveja número um", segundo slogan da empresa. No ramo da publicidade, esse tipo de propaganda é classificado como "marketing de guerrilha". 

Impedida de estampar sua marca na camisa de clubes brasileiros, por comercializar bebida alcoólica, a Ambev resolveu investir no "marketing estruturante" há alguns anos. A ideia era identificar o clube do coração de quem comprava a cerveja Brahma nos supermercados e destinar 1% daquele valor para melhorar a estrutura das equipes brasileiras. O "Fundo Brahmeiro", assim batizado. 

Desse projeto surgiram melhorias para alguns clubes, especialmente no Rio. O Flamengo recebeu auxílio para a construção de seu centro de treinamento, o Vasco reformou a sala de imprensa, o vestiário, a sala de musculação e o placar eletrônico, o Botafogo recebeu sistema de iluminação para o gramado do Engenhão e o Fluminense ganhou uma sala de troféus.

Apesar do sucesso prático, a conclusão da Ambev após cerca de dois anos era de que os dirigentes dos clubes assumiam os louros do sucesso. Os recursos eram levantados pela iniciativa da empresa, as obras eram administradas por ela, mas a marca acabava por ficar em segundo plano. 

No fim de 2012, o item mais ambicioso desse projeto já havia voltado para a gaveta. A Ambev pretendia financiar a construção de centros de treinamento para os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro, mas esbarrou em dificuldades burocráticas com a Prefeitura do Rio, o Tribunal de Contas e partiu então para o Movimento por um Futebol Melhor. Um tema que também dá bastante dor de cabeça para seus dirigentes. 

Terra

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