Admiração, raça e respeito: a amizade de Mineirinho e Ricardo dos Santos

(Foto: Reprodução)


- Cara, você não foi na onda? - reclama Mineiro.
- Não fui porque você estava remando junto! - retruca Ricardinho.
- A prioridade era minha! - diz o paulista.
- P... perdemos a onda perfeita! - responde o catarinense. 

Mineirinho e Ricardinho discutiram pela primeira, e talvez única, vez, como não poderia deixar de ser, dentro do mar. A raça, a determinação e a sede por encarar a melhor onda possível causou o atrito entre os amigos no mar australiano, em Margaret River, em 2013. O desentendimento fez com que os dois ficassem pouco mais de um dia sem trocar nenhuma palavra, emburrados. Entretanto, era apenas uma onda, nada para abalar a amizade baseada na admiração e, principalmente, no respeito. 
Quem se lembra da história é Leandro Dora, técnico de Adriano de Souza, campeão mundial de surfe, e ex-treinador de Ricardinho. Grilo, como é conhecido, enxergava um complemento entre os dois surfistas. A determinação e a competitividade de Mineirinho, com a raça e ousadia de Ricardinho para as ondas grandes, tornariam, se assim fosse possível, um surfista completo, único, na visão do treinador Grilo. 

- Acho que os detalhes mais importantes entre essa relação do Ricardinho e o Mineirinho são a raça e a determinação, são pontos importantíssimos nessa união, amizade. O Mineiro pela parte competitiva, determinação com que ele conduz a carreira dele, sendo muito focado e dedicado. O Ricardo da mesma forma, sendo que ele explorou mais o “free surf”, atrás de lugares de ondas grandes . Acho que se você pegar um Ricardo e um Mineirinho e uni-los em um único surfista, você terá um atleta imbatível – diz Leandro “Grilo”, direto do Onahu, Havaí, ainda apreciando cada momento após a conquista da última quinta-feira. 


A admiração de Ricardinho, morto no dia 20 de janeiro de 2015 por um policial militar, na Guarda do Embaú, por Mineirinho era semelhante ao tamanho das ondas que o surfista catarinense surfava pelo mundo - gigante. Mineirinho era um ídolo para Ricardinho e, segundo o seu padrinho, Andrei Malhado, quando os dois se conheceram, em 2007, a primeira impressão o deixou boquiaberto.
- O Ricardo admirava muito o Mineiro e ele, depois desse primeiro encontro, me disse: “olha Andrei, o Mineiro não está de brincadeira, está muito focado para ter bons resultados, ele é muito profissional”. Ele ficou muito impressionado com o profissionalismo do Mineiro e, sem dúvidas, isso o inspirou o Ricardo – falou Andrei, que está em viagem com a família na Califórnia. 

A amizade, para Leandro Grilo, fez com que Mineirinho pudesse crescer ainda mais como atleta profissional. O compartilhamento de informações, além das características individuais da personalidade forte de Ricardo dentro da água, foi bem absorvido pelo paulista.  

- Acho que um tinha para doar para o outro e compartilhar, essa era a troca tão grande de energia. O Ricardo sabia quanto que ele precisava se espelhar no Mineiro na questão de postura profissional como atleta, na imagem de um atleta e entusiasmo com a competição, além também da postura e conduta na competição. O Mineiro por se destacar no surfe de manobra, ele foi agregando o conhecimento em ondas pesadas, tubulares, e ele tem essa capacidade de surfar bem as ondas grandes, acho que ele se espelhou muito bem no Ricardo, na questão da atitude. Quando o mar estava muito pesado era impressionante de ver, com que tranquilidade e frieza que ele (Ricardo) tratava a condição extrema, se divertindo e brincando em uma situação de extremo perigo – salientou Grilo. 

Em janeiro, dois tiros colocaram fim aos sonhos de uma vida. Ricardinho, na frente de sua casa, na paradisíaca Guarda do Embaú, na Grande Florianópolis, foi vítima de um policial militar. Pouco mais de três meses depois, em Margaret River, nas ondas australianas, no mesmo mar da pequena discussão entre os dois, Mineirinho ergueu a taça da etapa e dedicou ao amigo, olhando para o alto e aos céus. 

- O Mineiro queria muito vencer em Bells Beach para dedicar o título ao Ricardo. Ele fez a final com o (Mick) Fanning, mas no desempate o Fanning saiu de lá com a vitória. O Mineiro ficou extremamente chateado por não conseguir dedicar a vitória ao Ricardo. E ele foi a Margaret River onde ele não tinha tão bom histórico e venceu. E o Mineiro venceu esse campeonato ganhando dos maiores nomes e ele pode então dedicar essa vitória ao Ricardo e logo que ele saiu do mar ele lembrou dessa briguinha e me disse: “Cara, ele (Ricardo) queria que eu vencesse aqui (em Margaret River) e não em Bells” – explicou Grilo. 

Campeão mundial na última quinta-feira, Adriano de Souza, logo que saiu da água tratou de homenagear o amigo: "queria agradecer muito a Deus por este momento e dizer que sou muito abençoado por ele e pelo Ricardinho. Vou carregar a alma dele comigo para sempre”. 

Globo Esporte

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