Especial - Do tráfico aos pódios

O atleta profissional cearense Isaias Silva tem grandes chances de estrear na elite do surf brasileiro em 2011.

Atual sexto colocado no ranking nordestino, ele vive um grande momento na carreira. Este ano, o atleta subiu ao pódio em duas provas do circuito regional (Maracaípe e Icaraí) e faturou uma etapa do circuito cearense.


Como os primeiros colocados do ranking nordestino já estão garantidos na elite pelo circuito brasileiro, é grande a chance desse atleta de 24 anos descolar uma das três vagas da Associação Nordestina de Surf (ANS).


Em entrevista concedida ao site Emfocosurf, Isaías fala da origem humilde, envolvimento com tráfico de drogas e a excelente fase que atravessa.


Isaías (à esq.) e amigo Michel Roque em Itacaré (BA). Foto: Sidnei Machado.

Como foi seu primeiro contato com o surf?

Comecei na beira da praia, com um pedaço de tábua. Às vezes, deixava até de ir para a Polícia Mirim só pra ficar pegando onda com minha tábua. Eu deixava de fazer tudo para ir surfar, surfava escondido dos meus avós. Então, os anos foram se passando, foi quando eu comprei um bodyboard e comecei a enfrentar o mar na remada, depois eu fui gostando e me adaptando cada vez mais. Eu ia fazer 17 anos quando a minha avó comprou um pedaço de prancha pra mim, aí eu comecei a ficar em pé, fui brincando, brincando, brincando... Os anos foram passando, até que eu, com a minha brincadeira, fui virando um surfista sem querer. Mas chegou um dia em que do nada eu quis ir embora para o interior (Tabuleiro do Norte), cuidar de gado, porque na época eu era um moleque que só queria estar com gangues e tinha envolvimento com coisas erradas. Fiquei lá e voltei a Fortaleza depois de três anos, cuidando de gados.

Quando cheguei a Fortaleza, fui na escolinha de surf da Leste Oeste, do WF (Waldir Freitas), aí ele me deu uma prancha só para fazer o surf. Comecei a surfar logo no dia seguinte à minha chegada do interior. Eu achei que estava surfando melhor que a galera que já estava treinando, e no dia 21 de outubro de 2004, eu pedi 200 reais emprestado a um colega meu e fui fazer uma prancha no Nox (Fabiano Nox). Na primeira etapa do Cearense, ganhei a categoria Júnior apenas com uma bermuda que eu fui pedir a Dida Lopes (Cilindro). Eu vendi a bermuda por 40 reais e fui para o Cearense. Ganhei com a prancha nova e com a bermuda que eu tinha conseguido, então eu comecei a competir e ganhei todas as competições amadoras. Até 2007 eu fui campeão amador aqui no Ceará.
Como é viver em um lugar violento, rodeado de drogas e gente que não presta?

Viver na favela desde novo é fácil, difícil é chegar novato e ficar. Minha vida na favela era sempre com amizades ruins, eu sempre estava com cocaína ou crack para vender. Sempre quando aparecia a polícia, tinha que jogar o flagrante fora, senão era preso. Eu tinha que fazer isso porque eu vivia daquilo, eu guardava quilos de drogas pesadas. A polícia sabia, mas não invadia porque os vizinhos diziam que ali morava um atleta que competia e ganhava os campeonatos de surf. Eu era errado, vendia droga e me achava o maior da favela. Graças a Deus estou salvo, posso dizer que Jesus usou o surf para salvar minha vida.

Como você saiu do tráfico?

Certo dia Marcelo Bibita ligou para Dida Lopes, dizendo que tinha um campeonato e era para eu ir junto com Adriano Santos, porque nós éramos os atletas convidados. O campeonato foi lá no Maranhão, na praia de São Marcos. Eu fui e deixei a chave da minha casa com uma amizade que eu tinha, eu confiava somente nele na favela. Fui e ganhei o campeonato lá no Maranhão, voltei muito alegre e não via a hora de dizer para meu amigo sobre a vitória. Quando cheguei, o encontrei morto na porta da minha casa. Aquela cena mudou o rumo da minha vida, eu vendi a minha casa por apenas R$ 5 mil e fui morar com meus avós. Nunca mais desci pra favela, me dediquei mais ainda ao surf e às competições.

Fale da emoção que sentiu quando venceu a primeira etapa como profissional este ano, na praia do Futuro.

Foi muito importante não só para o surf, mas porque só me deu mais disposição para competir, só instigação. Eu fiquei muito contente de saber que há tantas pessoas que torcem por mim, eu fiquei muito tenso em ver aquela emoção toda, todo mundo naquele momento vendo, torcendo e chamando meu nome, assédio... Foi bacana, eu acredito que a primeira etapa do Cearense foi só um aviso de muitos que virão, pois eu acredito muito em Deus e tenho fé no que eu quero e estou muito focado nos meus objetivos.

Reportagem retirada de: http://waves.terra.com.br/surf/noticia/do-trafico-aos-podios/44476

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