Sacos de lixo foram segredo para brasileiro sobreviver ao Rally Dakar















O Rally Dakar é considerado a corrida mais perigosa do mundo. Desde 1979, 28 pilotos morreram – um deles, neste ano. Nas primeiras edições, realizadas entre a Europa e a África, havia riscos para os pilotos que passavam por conflitos étnicos e até sofriam ameaças terroristas. Desde que a prova veio para a América do Sul, em 2009, os desafios mudaram. Na edição deste ano, as temperaturas extremas e a altitude foram os grandes inimigos dos 665 pilotos que largaram para tentar completar a prova de 13 dias.

No oitavo dia de competição, o Dakar foi disputado no Salar de Uyuni, o maior deserto de sal no mundo, localizado na Bolívia. Lá, a etapa começou sob chuva e com um frio tão intenso que vários pilotos sofreram com hipotermia e alguns até tiveram de abandonar o rali. Para piorar, a organização não havia levado para a largada os acessórios especiais para o clima adverso. Diante das dificuldades, o brasileiro Jean Azevedo improvisou e teve um segredo inusitado: sacos de lixo.

"A gente se virou como pôde… Lá em Uyuni, o bivouac [acampamento] era dentro de um quartel do Exército. Eu consegui sacos de lixo lá e coloquei por dentro da roupa", explica o piloto ao UOL Esporte. "Ajudou bastante, senão era congelante. A gente tem uma luva para chuva e frio, e eu estava com a luva normal de pilotar. Estava chovendo, frio, e a gente tinha 140 km de reta no Salar… A mão ia sofrer demais. Então eu encapei todo o guidão da moto com esses sacos e também coloquei a mão por dentro. Pelo menos não molhava", lembra.

"Lá em Uyuni, muitos pilotos não queriam largar e eu acho que não poderia ter largado. Primeiro, porque ninguém tinha roupa especial; segundo, porque choveu demais e o Salar virou um mar porque ficou com cerca de 15 cm de água em cima do sal", aponta Jean. A água salgada corrói os veículos, principalmente as motos, que não têm tanta carenagem como carros ou caminhões.

Se a etapa em Uyuni foi marcada pelo frio intenso e a chuva no salar, o segundo dia do rali já havia exposto os pilotos a um calor extremo, entre Villa Carlos Paz e San Juan, na Argentina. "A temperatura chegou a 48 graus. E esse dia tinha 520 km contra o relógio, foi a maior etapa do rali contra o relógio", descreve. A dificuldade foi tão grande que as regras tiveram de ser mudadas. "Os últimos 100 km eram em um 'areião' pesadíssimo. Chegaram ao fim umas 35, 40 motos e depois ninguém mais conseguia fazer a prova. E o que aconteceu? Eles cancelaram a etapa antes do 'areião' senão, no segundo dia de prova, iam sobrar só cerca de 40 motos correndo, das 164 que largaram".

Além da grande amplitude térmica, a altitude também foi vilã. "Nesse ano, a organização colocou a prova por muito tempo em grandes altitudes. Vários trechos contra o relógio, que são os que realmente valem, acima de 3 mil metros, chegando a 4 mil metros e até passando um pouco disso. E isso desgastou muito fisicamente todos os pilotos. Muitos sentiram essa diferença de altitude. Eu estava muito bem preparado fisicamente e não tive esse problema, mas lógico que é um desgaste a mais", atesta.

Futuro

A inteligência para improvisar sacos de lixo para resistir ao frio e ter preparo físico para render em grandes altitudes, mesmo aos 41 anos, são exemplos do conhecimento de um dos pilotos mais experientes do Brasil. Jean, que em seu melhor Dakar foi o 5º colocado na classificação geral, terminou em 22º lugar a prova de 2015, em uma posição não tão boa como em anos anteriores. Mas seu currículo, agora com 17 edições da competição, além de cinco títulos do Rally dos Sertões, o ensina a ver as coisas em perspectiva, especialmente porque sua equipe Honda South America teve pouco tempo para se preparar para o Dakar 2015.

"A equipe foi criada em novembro de 2014, a gente teve pouco tempo de entrosamento, andou muito pouco com as motos. Avaliando dessa maneira, no contexto geral, foi um excelente resultado", acredita. Para Jean, a experiência em 2015 também renderá frutos no próximo ano. "Nosso primeiro objetivo era finalizar a prova, usar aqueles 13 dias para entrosamento entre os pilotos e a equipe, e até para um conhecimento e desenvolvimento melhor da moto, para a gente já ter um começo para o próximo Dakar e saber que passos a gente pode dar", acredita.

A experiência dá tranquilidade para Jean Azevedo pensar sobre possibilidades até para quando não estiver mais competindo. Satisfeito com sua nova equipe e seus avanços, ele não pensa em parar agora, mas já imagina como ser útil e se manter no universo que o encanta desde os 4 anos, quando pilotou uma moto pela primeira vez.

"Eu tenho uma paixão por moto, e fui muito bem acolhido pela Honda, então posso continuar talvez não sendo mais piloto, mas de outra maneira, trabalhando junto com eles nas competições. Ninguém tem essa experiência que eu tenho aqui no Brasil", diz. "Com a Honda com esse projeto voltado ao Dakar e a vencer a prova, eu posso agregar e formar. Eu queria ter um sucessor lá no Dakar e a equipe também se preocupa em dar oportunidades para novos talentos".

Jean acredita que possa ser um tutor para um novo talento brasileiro e lhe passar sua experiência. "Eu fiz vários Dakar sem ter muito apoio, ralando, conhecendo. E hoje, com a Honda, a gente já consegue colocar um piloto novato num nível muito alto. Ele vai ter uma chance muito maior de chegar talvez num resultado melhor do que o meu porque vai pular etapas de passar por várias equipes, dificuldades na prova", explica. 

Mas essas ideias são para um futuro ainda sem data. Por enquanto, Jean não pensa em parar e já planeja seu cronograma, tendo como maiores objetivos o Rally dos Sertões e o Dakar 2016. Jean teve uma pausa após o retorno ao Brasil para se recuperar fisicamente, mas que durou apenas cerca de um mês. "O meu calendário começou depois do Carnaval e só termina quando acabar o Dakar 2016. E isso envolve minha preparação diária de exercícios físicos, de treinos com a moto e de competições". O que não falta para Jean é disposição: "Enquanto eu estiver motivado e puder trazer resultados, vou participar. Não só do Dakar, mas também das outras provas", garante.

UOL Esporte

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