O dia a dia dos 12 corintianos presos na penitenciária San Pedro, na Bolívia






















Grupo de corintianos presos em Oruro, na Bolívia, pede para voltar para casa



"Ama e educa o garoto de hoje e não será necessário castigar o homem de amanhã." Esse é o recado estampado na parede do lado de fora da penitenciária San Pedro, de Oruro, na Bolívia, onde estão presos desde a última sexta-feira 12 corintianos acusados pela morte o jovem Kevin Espada, de 14 anos, na partida entre Corinthians e San Jose, na primeira rodada da Libertadores. Quando se conhece o interior da cadeia, fica mais fácil de entender o significa da mensagem pintada nos muros externos. O Estado esteve nesta quinta-feira por duas horas e meia no local.

Os corintianos estão divididos em duas celas. Ali vivem amontados. Num espaço onde caberiam duas pessoas, dormem quatro. No corredor, mais um. E o sexto homem deita numa espécie de edícula. Na segunda cela não há divisórias. E todo mundo quase um em cima do outro.

Como às 21h30 o guarda passa trancando as portas, não há ventilação. Com falta de ar, Danilo Silva de Oliveira, 27 anos, (a polícia boliviana divulgou o seu nome como Daniel), chegou a passar mal na madrugada de terça-feira. "Comecei a ter uma tremedeira, enjoo. Segurei ao máximo, mas acabei vomitando na cela", conta. Ele foi encaminhado para um hospital, onde tomou soro. Para isso, teve de pagar 30 bolivianos, o equivalente a R$ 10.

A penitenciária tem capacidade para 300 presos, mas hoje tem mais de 500. A cadeia fica a aproximadamente 200 metros do estádio Jesus Bermudez, local da morte de Kevin.

As condições de higiene são desumanas. Os corintianos estão em uma ala com mais 40 presos. Ali, eles têm de dividir um único banheiro, com um chuveiro. Para urinar e defecar, há apenas um buraco no chão. O cheio do local é péssimo.

"A primeira coisa que quero fazer quando sair daqui é usar uma privada", diz Tadeu Macedo Andrade, 30 anos. Ele é diretor financeiro da Gaviões da Fiel.

Segundo os corintianos, a situação do banheiro só melhorou depois que eles chegaram no presídio. "O banheiro estava imundo, mas conseguimos alguns produtos de limpeza e conseguimos melhorar um pouco. Antes não dava para entrar", diz Tiago Aurélio dos Santos Ferreira, 27 anos, sócio da Pavilhão Nove.

A organizada, inclusive, já demorou o seu território na penitenciária e na porta de uma das celas cravou o seu nome. Na outra cela, está inscrito em letras garrafais na parede: "OS 12 INOCENTES."

Todos os corintianos detidos são categóricos: o autor do disparo do sinalizador marítimo que matou Kevin não está entre eles. O grupo também evita acusar o menor que se entregou à Justiça na segunda-feira como responsável pelo disparo.

"Ninguém viu a hora que o sinalizador saiu. Não sabemos quem foi, só sabemos que não foi nenhum de nós. Mas se o garoto está dizendo que foi ele, então foi", diz Fábio Neves Domingos, 32 anos.

Alguns, para provar inocência, alegam que nem estavam dentro do estádio no momento da morte de Kevin. É o caso de Tadeu. Como um dos líderes da Gaviões, ele conta que ficou na porta para distribuir 22 ingressos para associados da torcida e quando subiu para a arquibancada o Guerrero já havia feito o seu gol e Corinthians ganhava por 1 a 0 - o disparo ocorreu logo depois de o Alvinegro abrir o placar. "Não vi nem ouvi nada", diz.

Outro que diz ter entrado no estádio já depois do incidente é Rafael Machado Castilho Araújo, 18 anos. "Quando passei pela catraca vi um rapaz todo ensaguentado saindo de maca. Não entendi nada, só depois que fiquei sabendo que era o Kevin", afirma.

Cleuter Barreto Barros e Leandro Silva de Oliveira, indiciados como responsáveis pelo disparo por ter sido encontrado traços de pólvora em suas mãos, também juram inocência. "Cadê o resultado do exame? Ninguém viu", acusa Leandro.

Em defesa dos colegas, Tadeu diz que no domingo anterior à morte de Kevin, dia de clássico com o Palmeiras, soltou vários rojões na porta da quadra Gaviões. "Se acharem pólvora na minha mão vai dizer que sou culpado também?", questiona.

CONVIVÊNCIA PACÍFICA

Depois de terem sido recebidos com hostilidade no presídio San Pedro (quando chegaram, os outros detentos começaram a grita "San Jose" e a bater nas grades), hoje os corintianos já conseguem andar sem problemas pelas outras alas da cadeia. Fábio, inclusive, já fez alguns amigos. Foi ele quem levou a reportagem do Estado para conhecer as dependências do local. A cada meia dúzia de passos dava um aperto de mão. Já até apelidou um detento de Paolo Guerrero pelo fato de ele ser peruano assim como o atacante do Corinthians. O único local que o Estado não conheceu foi a quadra de esportes. Ali estavam montadas dezenas de cabanas de acampamento. Era dia de visita íntima.

Além de dois diretores da Gaviões da Fiel e de Marina Kim, esposa de Tiago e única familiar dos corintianos que está em Oruro, os presos têm contado com a apoio de muitos bolivianos. Uma missionária, por exemplo, levou bolo e café para eles e organizou um grupo de orações ontem à tarde. Como a refeição oferecida pelo presídio é muito ruim, Marina e os diretores levam diariamente comida para eles. Ontem, o almoço teve arroz, feijão, ovo, carne e frango. Cada marmita custou 15 bolivianos (R$ 5).

Fábio comeu até o último grão para logo em seguida dizer: "Eu queria mesmo era comer uma picanha argentina e tomar uma cerveja". Só não sabe quando.

Site Estadão

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