Michael curte nova fase no vôlei e se diz mais feliz após assumir ser gay














O dia 4 de abril de 2011 jamais sairá da memória de Michael. Em jogo da Superliga Masculina entre seu ex-clube, o Vôlei Futuro, e o Cruzeiro, o jogador foi chamado de "bicha" e recebeu outros diversos insultos homofóbicos da torcida adversária. À época, o atleta se revoltou. Denunciou os torcedores e o clube mineiro acabou punido, com perda de mando de quadra. Constrangido e acuado, evitou criar polêmicas.

Michael, de 31 anos, tinha temor em assumir sua opção sexual. Não queria tornar público que era gay, apesar de garantir que no meio do vôlei todos sabiam que ele era homossexual.

Mais de três anos depois, a realidade do jogador mudou completamente. Dentro e fora de quadra. Hoje, defende o Vôlei Brasil Kirin, de Campinas, e atua em uma nova função. Deixou a posição de central para virar oposto, e é titular absoluto da equipe que está entre as principais do país.

Na vida pessoal, Michael se diz feliz e sem receio de dizer que é gay. O tema, antes tido como um tabu pelo próprio jogador, é encarado agora com extrema naturalidade. Falar sobre a opção sexual deixou de ser um tormento. Foi o que ele demonstrou nesta longa entrevista exclusiva concedida ao UOL Esporte.

"Posso dizer que o que aconteceu naquele jogo foi um marco. Todo mundo sempre soube que eu era gay, desde os meus 15 anos. Mas era um assunto muito restrito. Não poderia dar uma entrevista como essa que estou dando agora. Não imaginava há um tempo que um assessor de imprensa me desse a liberdade para falar sobre isso. Sou muito mais feliz. Ainda mais depois da situação toda que passei", afirmou o atleta, que está solteiro.

Confira a entrevista completa com Michael:

UOL Esporte: Em 2011, houve aquele episódio contra o Cruzeiro, quando você foi muito insultado por causa de sua opção sexual. Conseguiu superar aquilo ou ainda te machuca?
Michael:Todo mundo já sabia da minha condição sexual, mas realmente foi um fato isolado que mexeu comigo e assustou todo mundo que jogava junto. Foi algo anormal. Mas não machuca, superei totalmente a situação. Depois daquilo, todo mundo me apoiou, deu força total. Até então, tinha poucos casos de pessoas xingando e, hoje, até isso diminuiu. Foi muito legal eu ter falado e me manifestado contra aquilo para as pessoas não acharem que é algo normal.

UOL Esporte: Depois daquele episódio, você não ouviu mais insultos?
Não ouvi. Talvez, tenha passado despercebido. No meu caso e no caso do Aranha (goleiro do Santos chamado de macaco por torcedores gremistas em duelo da Copa do Brasil), o fato de termos apontado quem fez os insultos foi bom. Faz as pessoas pensarem três vezes antes de fazer algo. Tem de ter punição mesmo se ocorrer de novo. Não pode virar um hábito. Não podemos ser hipócritas e fechar o olho e achar que não existe preconceito.

UOL Esporte: Nos clubes que você atuou é tranquilo? Nunca teve problemas por ser gay?
Nada. Todo mundo sempre foi muito carinhoso, desde a minha época de Santander. Nunca precisei falar que sou gay. Desde antes de me assumir, sempre tive muito carinho.

Divulgação

Quando defendia o Vôlei Futuro, Michael foi vítima de homofobia
UOL Esporte: Nunca teve alguém que se recusou a dividir quarto com você por saber da sua opção?
Nunca teve este tipo de problema. Juro que não teve nada, de coração. Todo mundo com quem joguei, sempre me tratou com muito respeito. Não tenho do que reclamar. Pode ter acontecido algo longe dos meus olhos, mas na minha frente, que tenha percebido, nunca teve preconceito. Por ser transparente, sempre fui muito respeitado.

UOL Esporte: A Larissa, jogadora de vôlei de praia, assumiu ser homossexual, disse que tentou ter filho. Hoje, as pessoas estão se abrindo mais para falar sobre homossexualidade? Algumas barreiras foram rompidas?
Sim, antigamente era muito mais difícil. Hoje, é muito mais fácil porque as pessoas públicas estão se assumindo. Mostram que é algo normal. Cada vez que aparece uma pessoa pública que assume e é aceita na sociedade, encoraja outras pessoas a fazerem o mesmo. Somos iguais a todo mundo, queremos ter filho, queremos mostrar nosso trabalho, namorar, viver como uma pessoa normal. Seria bom o se assunto gay não fosse manchete.

UOL Esporte: Surgiu gente interessada em te conhecer depois daquele episódio? Teve assédio de alguém? Recebeu cantadas?

Não, foi bem sossegado. Quem me encontra, me aborda mais para falar sobre o vôlei, não consigo diferenciar se é um cantada. Eu nunca namorei, só fiquei. Tenho uma rotina muito puxada e sempre pensei muito em trabalho. Eu também não encontrei a pessoa certa para namorar, conviver direito. Minha visão por enquanto é outra.

UOL Esporte: Mas você pensa em se casar, ter filhos?
Com certeza. Se encontrar uma pessoa legal, quero ter família, como qualquer outra pessoa. É triste viver a vida todo sozinho, não tem como. Mas primeiro preciso encontrar uma pessoa legal, para futuramente ter filho. Tem tanta criança em orfanato, a gente pode ajudar tanto, é importante.

Vôlei Brasil Kirin/Divulgação

Michael trocou de posição. Antes era central, agora passou a ser oposto
UOL Esporte: Na sua família fazia tempo que sabiam que você era gay? Teve algum tipo de rejeição?
Eu me assumi muito novo, com 15 anos. Foi um ano antes de sair de Birigui (SP) para fazer peneira em São Paulo. Para mim foi fácil, porque minha mãe é lésbica. Ela já foi casada com uma mulher e hoje é solteira. Foi muito fácil. Minha mãe sempre viu que eu tive um jeito mais delicado. Quem contou para a minha mãe foi um amigo meu. Ela só me alertou para ter cuidado com preconceitos, mas disse que estaria sempre ao meu lado para me apoiar.

UOL Esporte: E seu pai, como reagiu?
Eu conheci ele até os sete anos e depois, ele sumiu. Hoje não tenho muito mais contato. Ele não era casado com minha mãe, foi um caso esporádico. Na verdade, fui criado mais pelos meus avôs.

UOL Esporte: E eles aceitaram de boa?
Sim, sem problemas.

UOL Esporte: Você deu um depoimento ao livro Toda Maneira de Amor Vale a Pena no qual você diz que foi a um prostíbulo quando tinha 21 anos e não sentiu nada a ter relação sexual com uma mulher. Foi ali que você percebeu que gostava mesmo de homem?
Ali foi um momento decisivo. Fui com a moça e não foi do jeito que tinha de ser, fiz sexo e não senti nada. Quando você é novo, quer experimentar coisas novas. Fui ali com a garota mais por pressão, para mostrar que era hétero. Mas eu nunca tive dúvida da minha posição. Ali serviu para confirmar que eu era gay.

UOL Esporte: Até este dia, você não tinha tido relação sexual com um homem?
Tinha sim, minha primeira experiência com um homem foi aos 17 anos.

Vôlei Brasil Kirin/Divulgação

Michael é titular da equipe de Campinas, que disputa a Superliga
UOL Esporte: Hoje se nota que você é  muito menos restrito a falar sobre o tema, se sente mais à vontade. Você faz parte de algum movimento GLBT? Se engaja na causa para ajudar contra o preconceito?
Na época que aconteceu aquele episódio, vários grupos tentaram conversar comigo, mas tenho uma vida tão corrida que não tem como. A melhor maneira que eu posso defender a causa é jogando.

UOL Esporte: Podemos então dizer que aquele jogo foi um marco para você? Acabou sendo algo positivo para te dar mais confiança?
Pode ser visto desta maneira sim. Como eu disse. Todo mundo sempre soube que eu era gay, mas era um assunto muito restrito. Não poderia dar uma entrevista como essa que estou dando agora. Não imaginava há um tempo que um assessor de imprensa me desse a liberdade para falar sobre isso.

UOL Esporte: Hoje dá para dizer que depois de tudo que você passou você é feliz por ter assumido sua homossexualidade?
Sou muito feliz. Ainda mais depois da situação toda que passei. Tinha muita gente que me conhecia, mas depois daquilo sou mais conhecido. Muitas pessoas se lembram do caso sem saber meu nome, demonstram carinho, tratam do assunto sem ter receio. Em relação a tudo, estou muito feliz.

UOL Esporte: Você aceitaria posar para uma revista gay?
Não, não aceitaria. Sou meio tímido, não teria coragem. Não daria muito certo.

UOL Esporte: Profissionalmente, como está sua vida?

Cheguei para esta temporada ao Brasil Kirin. Eu estava em São Bernardo, depois que acabou Vôlei Futuro. Agora vim para cá (Campinas). Mudei de posição. Deixei de ser central para virar oposto quando ainda estava em São Bernardo. O Joel se machucou e Peu que era técnico perguntou se eu aceitaria mudar. Aceitei e deu certo. Estou adorando.

UOL Esporte: Com esta posição você vislumbra chegar à seleção brasileira?
Nós que somos atletas sempre pensamos em seleção. A seleção é fruto de seu trabalho no clube, Primeiro tenho de pensar aqui e abrir possibilidades Sempre tento o melhor para buscar seleção. Quem sabe? Nunca vou dizer nunca.

UOL Esporte: Você já teve alguma convocação?
Tive uma convocação para seleção de novos em 2008. Fui campeão mundial infanto e vice-campeão mundial juvenil. A chance eu tive, uma oportunidade de ao menos integrar a seleção de novos. Foi um degrau para chegar na principal. Mas na minha posição que sempre foi a de central, sempre foi muito bem servida, com Rodrigão, Gustavo, Lucão, Éder, Sidão. Sempre foi um posição muito forte. Nunca tiveram decadência.

UOL Esporte: Ainda dá para chegar na seleção?
Eu estou muito bem fisicamente apesar de estar com 31 anos. Nesta nova posição, é mais uma oportunidade de mostrar trabalho, uma nova cara minha. Hoje em dia tem o Wallace que é super titular e está bem. Em primeiro lugar, penso no hoje, no Brasil Kirin, em fazer meu trabalho.

UOL Esporte

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