Rúgbi e futebol causam "segregação" em bares sul-africanos

Em Johannesburgo, público dos bares se dividem por esporte; com futebol na TV, negros são maioria Foto: Celso Paiva/Terra

Em Johannesburgo, público dos bares se dividem por esporte; com futebol na TV, negros são maioria

Chego à Nelson Mandela Square, ponto turístico de Johannesburgo, com a intenção de assistir ao clássico local de rúgbi, entre os Stormers (da Cidade do Cabo) e os Bulls (de Pretória), recomendado por um amigo. Ao subir as escadarias, me deparo com uma cena digna de filme: dois bares separados por um corredor. De um lado, clientes brancos assistindo ao duelo do esporte tradicional na África do Sul, mas pouco conhecido no Brasil; no outro bar, alguns negros atentos olhando pelo lado de fora o duelo entre Chelsea e Portsmouth, final da Copa da Inglaterra.

O esporte, que sempre foi feito para unir raças, involuntariamente separa os dois povos. A ironia do destino coube que o cenário que presenciei acontecesse literalmente bem debaixo do nariz da estátua gigante de Mandela, ex-presidente sul-africano e principal responsável pelo fim do regime do apartheid.

A explicação para a divisão vem exatamente da época do apartheid. Durante os anos do regime de segregação racial, dificilmente se conseguia ver uma criança branca praticando o futebol, tido como um esporte apenas de negros. Nas escolas, o rúgbi e o críquete eram as opções. Hoje em dia, a situação começa a mudar. Ao passar por escolas em Johannesburgo, já é possível notar crianças negras e brancas correndo atrás de uma bola e chutando para o gol.

Tento acompanhar por alguns minutos pela janela o duelo de rúgbi. Porém, opto pelo esporte que é a nossa paixão nacional - afinal, em campo estavam diversos jogadores que irão figurar na Copa do Mundo na África do Sul daqui a menos de um mês, como Terry, Lampard, Malouda, Drogba, entre outros.

Ao entrar no bar futebolístico, que só estava vendo pela janela, a cena do lado de fora se repete. Apenas os garçons negros atentos ao duelo, torcendo para a zebra Portsmouth, e um solitário torcedor branco com a camisa da Inglaterra sozinho em um canto. Eu, branco como se fosse um cidadão típico europeu, causo espanto em um dos garçons, que estava de olho no televisor, ao perguntar como estava a partida. O sentimento era como se eu fosse um verdadeiro estranho no ninho.

Quando me identifico como brasileiro, as coisas mudam um pouco de figura e em instantes já parecia apenas mais um. Torcendo pela zebra Portsmouth, assim como grande parte dos garçons, lamento o pênalti de Boateng defendido por Petr Cech. O torcedor com a camisa da Inglaterra, ao contrário, festeja. E comemora ainda mais minutos depois quando Didier Drogba abre o placar.

A emoção segue até o final, com o Portsmouth perdendo chances de um lado e Drogba quase aumentando do outro. Fim de jogo, Chelsea campeão. A TV é mudada para o canal de rúgbi. Os garçons voltam ao trabalho e clientes brancos voltam a povoar os dois bares. Eu decido ir embora, antes do fim da partida e descubro com aquele meu amigo que os Stormers exterminaram os Bulls por 38 a 10. Assistir a uma partida de rúgbi fica para outro dia

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