Primeira mulher a dirigir um clube no RS só queria jogar bola na rua














Santa Maria trocou um governador por uma presidente. A cidade gaúcha de 275 mil habitantes, a 250 quilômetros de Porto viu o governador Tarso Genro, filho da terra, ser derrotado por José Ivo Sartori, em sua tentativa de reeleição. E viu também o centenário Riograndense F.C, rubroverde, eleger, por aclamação, a primeira mulher a dirigir um time de futebol no Rio Grande do Sul.

Lisete Inês Frohlich, 51 anos, tem currículo de tirar o fôlego: graduação em pedagogia, pós em psicologia, MBA em gestão empresarial, administração do esporte e gestão e marketing e direito desportivo. E é totalmente apaixonada por futebol. Paixão que vem desde os seis anos, quando a escuridão – não havia luz elétrica em sua casa, em Venâncio Aires – era suavizada por um radio de pilhas que trazia notícias do Grêmio, seu time de coração.

O currículo, diz Lisete, serviu para impedir o preconceito de entrar em campo. "Em 2006, eu fui eleita a mulher empreendedora do Rio Grande do Sul por causa da minha empresa, Estilo Campeiro, que produzia produtos referentes à cultura gaúcha, como cuia, botas, bombachas. Depois, vendi a empresa e passei a dar assessoria e consultoria na área de marketing e gestão para várias empresas, entre elas clubes esportivos".

Em 2006, chegou ao cargo de superintendente do Avenida Tênis Clube,  também de Santa Maria, então com 96 anos. "O pioneirismo começou aí por que fui a primeira mulher a ser superintendente de um clube esportivo no Rio Grande. Teve gente sim que torceu o nariz, que achou ruim porque não estava acostumado a ver decisões serem tomadas por uma mulher. Serviu de aprendizado para mim e para eles também".

Prestou assessoria a clubes de Ijuí e Cachoeirinha e, quando chegou ao Riograndense, não sofreu preconceito algum. "Sei que o futebol e o estado do Rio Grande são meios machistas, mas não sofri nada por ser mulher. Ao contrário, recebo e-mails de vários lugares do Brasil com pessoas me incentivando. Dizem que estão torcendo para o Riograndense e para o meu trabalho, por ser uma mulher. Olha, preconceito no esporte, foi mesmo quando era uma guria e queria jogar bola na rua com os meninos e não deixavam. Minha vingança foi ser eleita a garota esporte (uma espécie de miss) do Ipiranga  Linha 17 de junho de Venâncio Aires".

Eleita em 30 de setembro, começou a trabalhar. A meta é muito maior do que o sonho dos torcedores: leva o time para a primeira divisão. "Isso é pouco. O que adianta subir em 2015 e cair em 2016? Nós vamos subir e ficar no topo por muito tempo. Mesmo que, para isso, a gente não suba no ano que vem. Mas em 2017, o Riograndense vai estar na primeira, começando uma longa era".

Ela tem três pilares norteando seu trabalho e sua vida: 1) mudança que precisa vir de dentro para fora, 2) comprometimento com sonhos e pessoas e 3) atitude.

E gestão, é claro. A cada três palavras, uma é gestão em sua prosa caudalosa. Lisete fala muito e depressa. "Time de futebol do interior tem duas características. A diretoria tem um presidente, um tesoureiro e um secretário. E ele sobrevive por seis meses, disputando o Estadual. Depois, acaba. Já estamos mudando isso".

Desde outubro, o Riograndense tem um vice-presidente, um diretor de psicossocial, marketing, diretoria jovem, vice-jurídico, vice-presidente de patrimônio.  As reuniões são cheias de ideias novas, inclusive vindas de quem não é nada disso. Há um canal aberto com a torcida, por exemplo. A busca é por dinheiro, mas também por uma aproximação maior com os sócios. Há palestras e o "chá verde" que atrai mulheres para falar de futebol mas também de assuntos como prevenção de câncer.

O clube busca convênios com a Unifra (Centro Universitário Franciscano) para a realização de exames médicos, uso de academias de ginástica e piscinas. "Estamos buscando a ampliação do nosso quadro de sócios. Vamos passar de 400 para 1400. E estamos implantando o programa sócio torcedor", diz Lisete.

São três categorias: estudante, que paga R$ 10 mensais, rio-grandense, que paga R$ 20 mensais e o sócio herói periquito (o símbolo do clube), que além de ter direito a todos os jogos, recebe diariamente o jorna A razão em casa, além de ter descontos com parceiros do clube.

A busca por dinheiro fez com que o Riograndense apresentasse à Santa Maria várias possibilidades de anúncios, desde placas até o placar eletrônico. Haverá, em pouco tempo, uma loja física e uma virtual para venda de uniformes e produtos licenciados.

"Estamos lançando também o Cesta Atleta. Temos quatro jogadores talentosos nas categorias de base e estamos capitalizando 50% de cada um. As pessoas investem e em caso de uma transação futura, são ressarcidas", diz Lisete.

Em um meio machista, como o futebol, em um estado machista, como Rio Grande do Sul, as esperanças de futuro do Riograndense, vice-campeão gaúcho em 1921 e fora da primeira divisão desde 1978, estão nas ideias da garota gremista, que teve vontade de conhecer o mundo através do radinho de pilha. 

UOL Esporte

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