Guarani faz 100 anos em crise financeira e parado no tempo

Fundado oficialmente em 2 de abril de 1911 - a reunião para a criação foi em 1º de abril, mas os fundadores alteraram a data para evitar gozações pelo "dia da mentira" -, o Guarani completa neste sábado 100 anos de história com muitos pedidos a fazer. O clube de Campinas, primeiro e único campeão brasileiro do interior, espera contornar a profunda crise financeira pelo qual atravessa para voltar a dar alegrias à sua torcida, carente de novos títulos e ídolos.

"Nosso sentimento é de esperança de que o clube supere suas atuais dificuldades, resolva seus problemas e volte a ser aquele clube pujante, forte, para continuar fazendo uma bonita história em sua trajetória", disse Leonel Martins de Oliveira, que assumiu a presidência em 2006 para um mandato tampão, elegeu-se no mesmo ano e foi reeleito no início de 2011 para seu último triênio.

"O que posso dizer ao torcedor bugrino é que ele continue confiando, acreditando, que essa fase é apenas uma questão de tempo. O Guarani vai superar isso tudo e voltar a ser um clube organizado, moderno, atualizado para poder fazer um trabalho desde as categorias de base, com qualidade, para voltar também a revelar grandes jogadores", acrescentou o presidente.

Careca, o menino do gol histórico

O grande feito na história do Guarani foi a conquista do Campeonato Brasileiro de 1978. Comandada por Carlos Alberto Silva, a equipe contava com um goleiro experiente (Neneca) e desconhecidos que vinham encantando, como Zenon e Careca. O último, à época com 17 anos, acabou se tornando o principal nome da campanha e um dos maiores do futebol brasileiro.

Após passar pelas três primeiras fases da competição - que batia o recorde de participantes, com 74 equipes - o Guarani eliminou Sport, nas quartas, e Vasco, na semifinal. Apesar de a equipe interiorana ter tido a melhor campanha, na decisão contra o Palmeiras, todos apontavam como favorito o clube da capital, que já havia sido bicampeão (1972 e 1973). Foi quando Careca entrou em cena. No jogo de ida, em 10 de agosto, o jovem atacante trombou de frente com o goleiro Leão para atrasar a saída de jogo, e o palmeirense acertou-lhe uma cotovelada na nuca. O árbitro Arnaldo César Coelho deu pênalti e expulsou o arqueiro. Zeradas as substituições, o técnico Jorge Vieira colocou Escurinho no gol, mas o atacante não impediu Zenon de balançar a rede e garantir a vitória por 1 a 0, no Morumbi.

Na partida de volta, disputada no Brinco de Ouro - a Federação Paulista de Futebol chegou a propor que fosse novamente no Morumbi, mas a diretoria bugrina recusou -, o jovem atacante foi mais uma vez decisivo para o Guarani. Ainda no primeiro tempo, após bobeada do zagueiro Beto Fuscão, Careca atrasou a bola para que Bozó chutasse em Gilmar. No rebote do goleiro, Careca chutou rasteiro no canto esquerdo e, com novo 1 a 0, deixou a taça em Campinas.

O jornal A Gazeta Esportiva enalteceu o atacante. "O gol do Brinco de Ouro, aos 36 minutos, vale por uma vida inteira, vale mais do que dois milhões ou três, se o jogo tivesse sido no Morumbi. Com toda certeza, o Guarani vai colecionar todas as publicações, irradiações e tapes sobre os dois cotejos, para no futuro poder mostrar como foi marcado esse gol sensacional de Careca, um gol que vale uma Copa, porém, acima do troféu, vale a glorificação de uma campanha brilhante, de uma vida de 67 anos de uma batalha constante", dizia um trecho do texto da publicação.

Última década é a pior da história bugrina

Em 2001, o time foi rebaixado para a Série A-2 do Campeonato Paulista e só não a disputou no ano seguinte graças à edição especial do Torneio Rio-São Paulo, para o qual foi convidado a participar. A sorte não se repetiu cinco anos mais tarde, quando a queda foi consumada, e a equipe disputou a divisão inferior em 2007. Antes disso, em 2004, o clube já havia sido rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro. Desde então, a única participação na elite nacional ocorreu em 2010 - temporada em que voltou à A-2 do Estadual e teve novo descenso também na competição nacional.

O primeiro ano da nova década também não começou animador. Com Argel Fucks no comando técnico, o time iniciou 2011 irregular na A-2. Considerado "agitado demais" nas reclamações com a arbitragem, o treinador foi demitido depois da goleada por 5 a 0 para o Pão de Açúcar. Vilson Tadei assumiu o posto vago e conseguiu classificar o Guarani para a segunda fase - em contrapartida, ele viu seu time ser eliminado de maneira precoce na Copa do Brasil ao empatar com o Horizonte-CE, dentro de casa, ainda na segunda fase do torneio mata-mata.

"Já tinha conversado com os jogadores antes da partida. São dois campeonatos distintos. Se passasse (para as oitavas de final) na Copa do Brasil, a gente seguiria com moral na A-2. Se a gente perdesse, não tínhamos conversado", analisou o comandante. "Tive uma conversa franca e aberta com o grupo, que aceitou bem e definitivamente fechou para essa fase. A expectativa é boa, mas vamos encontrar muita dificuldade porque o quadrangular é sempre parelho", completou.

Brinco de Ouro, joia que pode salvar o clube

A dívida acumulada do Guarani beira R$ 120 milhões, entre processos tributários e trabalhistas. Sob administração de Leonel Martins de Oliveira desde 2006, o clube vem tentando liquidar, com acordos junto à Justiça, parte do alto valor: além de ceder 30% da renda obtida com bilheteria nas partidas disputadas no Brinco de Ouro, a diretoria faz depósitos mensais de R$ 100 mil. Mas a única solução para equacionar a dívida passaria por um acordo de permuta do estádio.

"Temos um investidor, mantido em sigilo, que vai ficar com a área do estádio, mas fará uma nova sede social, um centro de treinamento e ainda uma nova arena", explicou o vice-presidente de finanças do clube, Jurandir Assis. "A partir daí, começa uma nova era. Quando tivermos todas as dívidas equacionadas, poderemos começar a trabalhar com metas", acrescentou o dirigente.

A parceria, que pode ser anunciada em breve, tem aval dos associados com a condição de receber as novas instalações em troca - enquanto a obra não for finalizada, o Brinco continuará sendo usado pelo Guarani - e de quitar a dívida atual. "Conseguimos a autorização para alienar o patrimônio desde que isso aconteça. Se não for feito dessa forma, essa autorização não será válida", disse Assis, ao admitir dificuldades para saldar o vencimento mensal dos funcionários.

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