"Guga da cadeira", Bernardes vive semana de astro no Brasil Open

O árbitro de cadeira Carlos Bernardes é um dos mais renomados da atualidade. Foto: Edson Lopes Jr./Terra

O árbitro de cadeira Carlos Bernardes é um dos mais renomados da atualidade

O principal representante do Brasil no circuito mundial de tênis não empunha uma raquete, não usa munhequeiras nem sua bastante quando está em quadra. É o árbitro de cadeira Carlos Bernardes, um dos mais renomados da atualidade e que viveu uma semana de estrela durante o Aberto do Brasil, quando distribuiu uma série de autógrafos e tirou fotos com fãs.

A tranquilidade que Bernardes deixa transparecer enquanto dirige partidas de tênis mundo afora é a mesma com a qual ele atende os fãs que o abordam enquanto caminha ao lado da reportagem do Terra em torno do Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. O relógio marca 18h (de Brasília) de uma sexta-feira e dentro do local está ocorrendo a partida de duplas entre os brasileiros João Souza e Ricardo Mello contra os italianos Daniele Bracciali e Potito Starace. Por isso, a área externa do ginásio tem pouca gente.

Mesmo assim, rapidamente aparece um grupo de três jovens mulheres que percebe a presença do árbitro. "A gente é fã de tênis, então é fã dele. É o cara brasileiro mais conhecido do circuito - muito mais que o (Thomaz) Bellucci", diz uma delas.

Bernardes ri e se sente um pouco envergonhado com a comparação, que não é de todo errada: enquanto Bellucci já foi o número 21 do mundo em 2010 e é hoje o 34, o árbitro faz parte há muitos anos do chamado gold badge (credencial de ouro), grupo composto por cerca de dez juízes do primeiro escalão da Associação de Tenistas Profissionais (ATP).

Bernardes trabalha em período integral para a entidade - ou "full-time", como gosta de dizer - de 25 a 30 semanas por ano. Ele não é autorizado pelo órgão a divulgar seu salário, mas, rindo, aponta que "é muito menos do que os tenistas ganham, infelizmente". Uma reportagem publicada pela rede britânica BBC dá conta de que um árbitro de cadeira de ponta recebe entre 50 mil e 60 mil libras (de R$ 135,7 mil a R$ 162,8 mil) anuais - fora gastos com hospedagem, alimentação e transporte que lhe são cobertos durante as competições.

O brasileiro é um desses profissionais de ponta. Ele já apitou quatro finais de Grand Slam: de simples no Aberto dos Estados Unidos em 2006 e 2008 e de Wimbledon em 2011; de duplas no Aberto dos EUA em 2010. Em 2006, tornou-se inclusive o primeiro árbitro da ATP não nascido no país de origem do Slam a dirigir uma decisão - vitória do suíço Roger Federer sobre o americano Andy Roddick por 3 sets a 1.

A raridade se explica porque os Grand Slams são organizados pela Federação Internacional de Tênis (ITF), que tem seus próprios gold badges, ainda que convide juízes da ATP para completar a equipe - a Associação de Tênis da Mulheres (WTA) também conta com seus próprios profissionais. Na final das quatro competições mais importantes do mundo, a prioridade é para o árbitro da ITF ou para um da ATP que seja nascido no país organizador do evento: o americano Steve Ulrich no Aberto dos EUA e o britânico Gerry Armstrong em Wimbledon, por exemplo.

Toda essa confusão de siglas começou em 1990, quando a ATP passou a organizar os principais torneios do planeta, à exceção dos Grand Slams e da Copa Davis, que seguiram sendo de responsabilidade da ITF. Foi uma época importante para Bernardes. "A ATP estava se separando e precisava formar mais juízes", explica.

A carreira do brasileiro havia começado antes, no fim da década de 1980. Ele não se lembra o ano, mas fala com nostalgia sobre a fase final da Federation Cup realizada no Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo: "colocaram no jornal: 'precisamos de 120 juízes de linha'. Eu falei: 'ótimo, vamos ver como é que funciona'".

Na época, Bernardes dava aulas de tênis e estudava - fez faculdade de Engenharia Mecânica por três anos antes de mudar para Educação Física, curso no qual é formado. Ele gostou da oportunidade e já trabalhava em eventos da ATP no Brasil quando, em 1992, foi observado pela chefe dos árbitros do Torneio de Miami e foi convidado junto a cinco colegas para ser juiz de linha na competição na Flórida, hoje um Masters 1000. "De lá começaram a abrir as portas, conhecemos o chefe do Aberto dos Estados Unidos, que nos convidou para fazer linha lá. No ano seguinte era juiz de cadeira no qualificatório e juiz de linha na chave principal. Foi começando desse jeito - devagarinho, devagarinho", conta.

Naquele tempo ele não pensava que 20 anos depois seria assediado pelos torcedores no Brasil Open. "Está acabando? Pode tirar uma foto agora? É um prazer, viu? É uma grande alegria para o Brasil nós termos alguém tão importante", diz um deles, interrompendo a entrevista. Bernardes atende o pedido e responde: "brigadão".

"Qual o jogador mais chato, Bernardes? Roddick?", questiona outro, depois de mais uma foto. "Não não, não posso responder", afirma o brasileiro, em meio a risos. "Se fosse off...". A presença da reportagem frustra a curiosidade do fã porque os árbitros não são autorizados pela ATP a comentar sobre jogadores. "Qual o mais baladeiro?", quer saber um garoto. Rindo bastante, o juiz também o deixa sem resposta: "não, não tem. Mais baladeiro... essa foi boa pergunta!".

Os torcedores vão se somando. Ao final dos 41 minutos durante os quais Bernardes passou ao lado da reportagem, 29 fãs terão falado com ele em busca de uma foto ou de um autógrafo. O repórter serviu como fotógrafo em mais de uma ocasião. A conta não inclui três amigos que casualmente o árbitro encontrou no passeio. O primeiro deles costumava jogar tênis com o juiz em São Caetano do Sul, no ABC paulista, onde Bernardes nasceu em 1964.

"Eu tinha 12, 13 anos. A gente pulava o muro do Estádio Lauro Gomes para jogar. Morava ali perto, ia lá no fim de semana, assistia Wimbledon na televisão. A gente dava de (Bjorn) Borg na quadra. Foi assim o começo, de pegar aquele gosto do tênis", recorda, citando a final de Wimbledon de 1980, na qual o sueco Borg bateu o americano John McEnroe por 3 a 2, como uma das partidas marcantes vistas naquela época.

"Eu gostava do McEnroe", afirma o árbitro, permitindo-se a comentar sobre tenistas já aposentados. "Quando eu jogava eu gostava de sacar e volear. Gosto muito de jogo na rede". Questionado se ainda implementa essa tática ofensiva, Bernardes aponta para os joelhos. Ele operou ambos e hoje só entra em quadra para se sentar na cadeira. "Foi jogando tênis, rompi o tendão patelar. Lembra o Ronaldo, o joelho dele saindo a patela? O meu fez a mesma coisa".

Outra amiga que o juiz encontra quer saber sobre a vida na Itália, onde ele mora desde 2009. "Estou cozinhando agora. Fiz tiramissú no final do ano, foi um sucesso. Descobri umas massas espetaculares lá, nossa! Fiquei contente no final do ano, o pessoal comeu, não sobrou nada", responde ele, que é separado e vive em Bérgamo com uma namorada italiana. Antes, sua residência era em São Caetano, onde ainda mora sua filha, Ana Luiza, 13 anos.

Por fim, Bernardes vê a mulher de Paulo Pereira, supervisor da ATP, que se surpreende com a popularidade do árbitro e brinca: "vamos fazer um negócio: eu fico com a câmera, vou tirando as fotos, aí a gente faz um 'fifty-fifty' (50% a 50%), que você acha?". Um minuto depois, o juiz escuta mais um pedido de uma fã: "tira uma foto com a gente?".

"Por favor uma foto", diz outro homem. Desta vez Bernardes apenas ri. Era Luiz Procopio Carvalho, o gerente geral do Aberto do Brasil, que passava por perto. A fama do árbitro é motivo de brincadeiras e espanta o próprio: "surpreende porque no Brasil não era assim, mas é gostoso. Acho que as pessoas estão assistindo a mais torneios de tênis".

Já são quase 18h40, os italianos já ganharam o jogo de duplas e em 20 minutos começaria a partida que o brasileiro arbitraria na rodada noturna, entre o argentino David Nalbandian e Filippo Volandri. Bernardes olha para o relógio de pulso, mas não pede para parar a entrevista. A reportagem entende o recado e se despede. De longe, observa o árbitro distribuindo vários autógrafos na sequência em frente ao portão seis do ginásio: um, dois, três, quatro... são 13 em menos de um minuto.

Números dignos de um Gustavo Kuerten da cadeira, apelido que faz o árbitro rir: "ah, não sei, aqui a gente não tem muito... o problema é a escassez, né? Não é o problema de ser o Guga da cadeira ou não. Acho que a gente não tem muitas pessoas nesse nível, por isso que dá essa diferença. Se você tivesse dez Gugas... um exemplo: se você tivesse como na Espanha". Nesse caso, Bernardes talvez não vivesse uma semana de astro em São Paulo.

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