Falavigna declara guerra a rival mexicana: "aqui não tem amizade"

Falavigna foi medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008. Foto: Edson Lopes Jr./Terra

Falavigna foi medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008

Eram pouco mais de 21h (horário de Londres) quando saíram de um carro oficial do Brasil Natália Falavigna e sua equipe técnica. "Desculpem o atraso, estava jantando", justificou a atleta do taekwondo ao encontrar a reportagem do Terra na recepção do hotel em que está hospedada, a poucos metros do complexo Crystal Palace, onde treina. O atraso, na verdade, não passou de 30 minutos. Ao ver a estrutura montada para a entrevista exclusiva na parte de fora, a comissão técnica logo pediu: "podemos fazer lá dentro? Está frio e estamos com atenção redobrada à saúde dela. Se quiserem, pode ser no quarto dela mesmo", foi dito com o consentimento de Falavigna.

O papo aconteceu no salão de jogos, com a própria atleta ajudando a posicionar as cadeiras e se dizendo tranquila quanto ao tempo que teria disponível para a equipe. "Já acabei os trabalhos do dia, então sou de vocês, sem pressa", assegurou a atleta. A lutadora que, mais cedo, mostrou garra e força derrotando os dois treinadores no dojan, mostrou-se calma e serena para abordar os mais diversos assuntos. O sorriso só deu lugar à seriedade quando lembrou da primeira cirurgia à que foi submetida no joelho. Na conversa com o Terra, a esperança de medalha em Londres falou sobre essa lesão que a fez ser submetida a duas cirurgias, da derrota contra a mexicana Maria Del Rosario Espinoza na Olimpíada de Pequim e da expectativa para a atuação em Londres 2012. Confira!

Terra - Do bronze de Pequim para Londres 2012, o que mudou?
Natália Falavigna -
Ah, muita coisa. Eu reestruturei todo o trabalho que eu fazia. Algumas peças importantes eu troquei na minha comissão técnica para me ajudar a melhorar o resultado, busquei treinadores fora do país para pegar um pouco de experiência. Tive muito mais apoio em termos financeiros, em termos de estrutura. Financeiro que se reverte em estrutura para o meu trabalho, como o pagamento de alguns profissionais para me auxiliar. Tudo isso foi importante para que eu chegasse bem hoje aqui nos Jogos Olímpicos. Então posso falar que realmente o ciclo de 2008 foi completamente diferente desse.

Terra - Você acredita que essa Olimpíada pode ser a da Natália Falavigna?
Falavigna -
Eu sempre procuro fazer meu trabalho da melhor maneira. Faço taekwondo porque eu gosto. É uma honra poder defender as cores do meu país, alcançar um feito desse de chegar em uma Olimpíada. Então se vai ser da Natália ou não, ou qualquer coisa que a mídia sempre coloca, eu não penso muito nisso. Eu penso em fazer o meu melhor, buscar a performance da minha vida porque é isso que me motiva diariamente a acordar cedo, treinar, batalhar para, na minha terceira Olimpíada, conquistar o meu melhor.

Terra - Para estar aqui hoje, você teve que bater a Maria del Rosario Espinoza, mexicana que ganhou de você na Olimpíada de Pequim. Seria uma revanche enfrentá-la agora em Londres?
Falavigna -
Eu não escolho adversária. Ela é uma grande atleta, é quem vai defender o título. Ela está do outro lado da chave. Eu a encontro numa possível final. Já estudei a Rosario. Eu respeito todos, mas não temo ninguém! Vou procurar fazer o meu melhor. Ali dentro do dojan, na luta, é praticamente uma guerra e eu vou querer sair viva e ela também. A briga fica ali. É uma pessoa muito bacana, que eu tenho convivência fora. Mas ali dentro a gente não tem amizade, não.

Terra - Essas mudanças no taekwondo te ajudaram? Colete eletrônico é uma polêmica.
Falavigna -
Realmente é uma polêmica. É um sistema que eu não acho tão apurado, mas acho justo porque é igual a todos. O que tem que ser feito é achar soluções pra lutar com ele. Houve mudanças nas regras também. Não foi só o colete que alterou, mas principalmente a mudança de pontuação foi o diferencial dessa evolução do taekwondo. Eu procurei fazer uma mescla. Procurei trazer tudo o que tinha bom da maneira tradicional que a gente lutava, mas com algumas coisas diferentes que esses lutadores da geração colete eletrônico têm feito, alguns golpes diferentes eu tentei introduzir no meu treino. Esse vai ser o grande fator: quem souber jogar como antigamente, mas souber também ter esses golpes que podem surpreender.

Terra - O Márcio Wenceslau ficou de fora da Olimpíada, segundo ele, por um erro de arbitragem. Robson Conceição perdeu a luta de boxe em Londres e também colocou a culpa no árbitro. A arbitragem te preocupa na Olimpíada?
Falavigna -
Não, eu nunca culpei a arbitragem por resultado nenhum. O que eu sempre procurei fazer foi olhar para aquilo que eu deveria ter feito e como eu poderia melhorar. No caso do Márcio foi um erro de arbitragem sim. Mas hoje existe a questão do cartão. O técnico tem um cartão vermelho para o atleta que está da coloração vermelha e o cartão azul. E quando tem alguma pontuação duvidosa, algum erro de arbitragem, esse técnico pode levantar o cartão e pedir a revisão do ponto. O que aconteceu foi que infelizmente, num lance infantil, foi perdido o cartão logo no começo da luta. Isso acabou custando a vaga do Márcio. Se tivesse o cartão, o resultado teria sido invertido na hora. O Márcio foi o merecedor da vaga. Teve o erro da arbitragem, mas porque infelizmente no começo da luta o técnico errou.

Terra - Além da Maria Espinoza, tem alguma outra adversária que coloca medo em você?
Falavigna -
Não. Eu tenho 15 adversárias difíceis, mas 15 que eu procurei estudar e trabalhar em cima de cada uma. Tem países tradicionais e atletas que já têm alguma conquista. A Olimpíada é muito restrita dentro do taekwondo. São poucos que conseguem a vaga, que têm a chance de estar aqui. São os 16 melhores do mundo. Então pra onde você olhar, sempre vai ter um medalhista mundial, um campeão de algum campeonato continental e atletas com uma história muito grande. Não tem como fugir. A questão é saber trabalhar e se preparar. Foi o que eu procurei fazer.

Terra - E a questão das lesões? Você está curada? Como está o seu joelho?
Falavigna -
Eu tô bem! Graças a Deus, eu tive as minhas lesões no começo do ciclo olímpico. Eu pude voltar, disputar a minha vaga, e me garantir dentro dos Jogos Olímpicos. Eu vejo alguns atletas que são cortados à beira dos Jogos... Graças a Deus as lesões no meu caminho ficaram no começo, ficaram para trás. Hoje eu estou super legal, faço bastante trabalho preventivo, mas o joelho não me preocupa.

Terra - Em coletiva à imprensa, você disse que a segunda lesão veio para o bem. Como explica isso?
Falavigna -
A gente sabe quando a coisa não está boa. Apesar de eu ter feito uma boa recuperação, meu joelho nunca respondeu da mesma forma. As pessoas falavam que era uma cirurgia que depois que você havia feito, ela ficava boa como se nunca tivesse operado. E não foi isso o que eu senti. Não tive condições de voltar a competir. Passei 10 meses, 11 meses, tentando voltar, mas meu joelho apresentava alguns problemas que eu tive que fazer a cirurgia novamente. Mas depois da segunda, eu fiquei extremamente saudável de novo. Quatro meses depois eu já estava treinando, com seis competindo. Foi aonde eu percebi que meu joelho é zero, praticamente como se não tivesse sido operado.

Terra - E nesse período que você ficou de cama, sem competir, o que passava pela sua cabeça? Teve muito medo?
Falavigna -
Na primeira cirurgia sim. Tinha medo que eu não fosse voltar, até porque as pessoas falavam que a cirurgia era demorada, mas que passado um tempo você ficava bem. E eu não fiquei. Então isso gerou muitas dúvidas se eu teria capacidade de voltar. Foi uma cirurgia muito dolorosa da primeira vez, então eu senti que, comparando com a segunda, não foi muito feliz. Quando eu fiz a segunda e pude passar pelo processo normal, vi o quão simples era. Na segunda, eu não tinha tempo pra errar, não tinha tempo pra perder, e eu sabia a razão pela qual as coisas não caminharam certo na primeira. Então eu entrei para a cirurgia consciente de onde foi o erro, o que havia acontecido, e o que eu deveria fazer para que as coisas caminhassem da maneira correta. Tive muito respaldo também. O médico que me operou da segunda vez, o Dr. Wagner Castropil, me deu muita tranquilidade. Ele foi atleta, então me entende muito bem. Tive um cuidado muito grande e pude voltar muito mais tranquila.

Terra - O que aconteceu exatamente nessa primeira cirurgia?
Falavigna -
São coisas do passado. Acho que ficou pra trás... Foram alguns detalhes que eu prefiro nem lembrar nesse momento. Enterrei esse assunto a partir do momento que eu operei, fiquei bem e voltei a competir.

Terra - O que você espera da estreia em Londres?
Falavigna -
Eu espero poder fazer o meu melhor. Eu sempre me pauto na performance. A medalha é consequência. Se eu fizer aquilo que eu treinei, se conseguir estar bem fisicamente, tecnicamente e emocionalmente, eu sei que vou colocar tudo em prática. E aí eu vou poder sair tranquila, respirar fundo, e falar "fiz o meu melhor". Esse eu acho que é o principal objetivo de todos os atletas aqui, fazer o melhor. As medalhas, os resultados, os recordes, acabam vindo como consequência.

Terra - É possível trazer uma medalha?
Falavigna -
Tudo é possível. Todo mundo que está aqui sonha com uma medalha. Todo mundo que está aqui tem chance. Alguns maiores e outros menores, mas ali, principalmente no taekwondo que é um dia só, é um piscar de olho para você fazer um golpe, um piscar de olho para você tomar um golpe, tem que estar totalmente concentrada. Então eu sempre falo que é possível, mas é possível pra mais 15 que estão no meu caminho. Dia 11 é o dia que a gente vai brigar e ver quem vai sobreviver, quem vai chegar até a final.

Terra - É a sua terceira Olimpíada. Encerra aqui ou vai para o Rio?
Falavigna -
Eu ainda continuo. Eu ainda tenho o Rio de Janeiro. Acho que ali é um bom local para eu encerrar a minha carreira com chave de ouro. Pelo fato de eu lutar em categorias mais pesadas, eu sempre ter cuidado da alimentação, cuidado do sono, hoje eu tenho uma longevidade maior, então consigo chegar. Vou estar na Olimpíada com 32 anos. É uma idade tranquila para o taekwondo e acho que ali é o limite. Não tenho intenção de ir além.

Terra - O que a Natália Falavigna faz nos dias que antecedem a participação dela na Olimpíada? Afinal, as suas lutas são no penúltimo dia, 11 de agosto.
Falavigna -
O que eu procuro fazer, para ter a menor ansiedade possível, é continuar a minha rotina normal de treino. Não com a mesma intensidade, porque esse é o momento de recuperar. E eu me afasto um pouco do mundo. Eu sou uma pessoa que fica muito introspectiva. Eu não gosto muito de acessar a internet, não gosto muito de ficar no meio de pessoas nesse momento, então eu fico calada. O pessoal até brinca que eu fico fora do mundo, que eu saio e fico em "off". Eu saio um pouco de órbita. Eu procuro ler coisas aleatórias, por lazer. Faço esse tipo de coisa pra também não ficar muito focada e gastar energia mental muito tempo antes.

Terra - O que você trouxe na mala do Brasil e o que você quer levar daqui?
Falavigna -
Eu trouxe pouca coisa. Nada de diferente. Trouxe meu uniforme de guerra, que é meu uniforme de competição, minha faixa, meu equipamento de proteção. Toda competição que eu vou tem que ter um MP3, um livro, pelo menos um celular para o caso de precisar estar conectada com o mundo. Trouxe caderno. Esse é um período que eu tenho bastante criatividade. Então é onde eu faço as anotações do que eu quero fazer, do que eu penso... O que escrevo é segredo. Alguns projetos futuros que eu tenho. E eu quero levar para o Brasil a sensação de dever cumprido. E se isso for bons resultados, resultados positivos, é melhor ainda.

Terra - Já tem uma trilha sonora para Londres 2012?
Falavigna -
Eu gosto de uma música do Pregador Luo, um rapper gospel, mas eu não lembro o nome. É uma música que me acompanha nos treinos. Eu gosto de ouvir bastante música animada, músicas dance ou para uma pegada hip hop.

Terra - O que você tem a dizer aos internautas que vão acompanhar a sua competição?
Falavigna -
Eu espero fazer o meu melhor, espero poder honrar o meu país, espero poder dar alegria principalmente aos taekwondistas, às pessoas que gostam do meu trabalho. É o que eu vou procurar fazer. Energia positiva e muita oração!

Terra

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