Corridas de dragsters movimentam "Velho Oeste"


Em corridas de dragsters disputadas na areia, esperar pela luz verde significa perder. Uma seqüência de luzes separa duas pistas de areia, cada qual com 100 jardas (91 metros) de comprimento, manchadas de borracha e gases de escapamento. Uma fileira de luzes amarelas se acende, e depois outra. Os pilotos estão preparados. Passa menos de um segundo, um tempo incerto, imprevisível. Depois, surge uma luz laranja: prontos para largar. É o momento crucial de aceleração. Em mais quatro centésimos de segundo a luz verde se acenderá, a parte frontal do dragster se erguerá na pista como se ele fosse um animal selvagem desafiado, e o céu será colorido por uma enorme quantidade de areia suja.

Em dois segundos e meio a corrida terá acabado, os paraquedas entrarão em ação e os motoristas começarão a fazer ziguezagues com suas máquinas muito bem ajustadas, em meio à paisagem desolada, em um esforço por reduzir velocidades que ultrapassam os 250 km/h.

Antecipar o momento da aceleração e largada é a técnica dominante nas corridas de dragster de areia, uma traiçoeira modalidade que serve como uma espécie de primo caipira e pobre desse setor do automobilismo. Nos grandes desertos da região oeste dos Estados Unidos, nos quais a superfície de corrida se movimenta sob os pneus, os circuitos de areia terminaram por se transformar em uma espécie de divisão de acesso extraoficial para a National Hot Rod Association (NHRA), a organizadora das provas de dragsters.

Mas a modalidade, que começou a ser desenvolvida em leitos secos de rios, resistiu por muito tempo à formação de uma organização formal. No ano passado, um grupo chamado National Sand Drag Race Association abandonou o torneio que promovia na reserva dos índios soboba, um bando da tribo luiseno, depois de uma série de tiroteios entre indígenas e policiais.

Este ano, os esforços para organizar provas perto de San Jacinto, na Califórnia, levaram a confrontos com grupos ambientalistas.

Em um final de semana de maio, a busca de isolamento trouxe os organizadores a Avenal, uma cidade localizada 100 km a sudoeste de Fresno e conhecida principalmente pela penitenciária que abriga. Longe demais das grandes rodovias interestaduais para atrair tráfego de caminhões, Avenal perdeu o posto de sede oficial das corridas para um motel da rede Super 8, a alguns quilômetros de distância. No motel, aparentemente construído todo de gesso - até as camas -, os pilotos trocavam gritos de encorajamento, depois de uma série de disputas preliminares, na sexta-feira.

"Você foi muito bem na pista", gritou alguém do outro lado do estacionamento.

Na manhã seguinte, mais 12 horas de preliminares foram iniciadas. Os ingressos para as arquibancadas, representados por fitas elásticas laranjas que os organizadores compraram a baixo preço na Price Chopper, custavam US$ 10. Mas em termos estritamente numéricos não se pode dizer que as provas tenham atraído audiência. Havia algumas centenas de espectadores, mas o número de pilotos que apareceram para correr parecia ainda maior. Jipes, quadriciclos, buggies, karts de areia, motos, picapes e até um snowmobile estavam presentes. Alguns dos veículos haviam passado por fortes modificações. Outros pareciam ter sido usados durante toda a semana para levar as crianças para a escola.

Dois a dois, os pilotos se revezavam na destruição da areia, disputando provas que serviam como prelúdio à aparição dos carros Top Fuel, dragsters produzidos especialmente, de aparência comicamente fálica, cujo comprimento ultrapassa os sete metros e ostentam motores movidos a nitrometano capazes de gerar 6.000 HP. Um super-herói de quadrinhos não pareceria deslocado ao volante de uma máquina como essa. O chassis, sozinho, custa US$ 50 mil. Proibitivamente dispendiosos para os pilotos que correm por pura diversão, os carros Top Fuel são os modelos preferenciais para os aspirantes a carreiras profissionais no automobilismo.

"As coisas escaparam um pouco ao controle", diz Amos Satterlee, 79, um veterano desse tipo de provas que todo mundo no circuito conhece como "Famous Amos". "Os carros se tornaram tão grandes e tão caros que, a menos que você tenha um grande patrocinador, enfrentará problemas".

O atual soberano no que tange a dominar o tempo de aceleração é Geoff Gill, 20, que abandonou uma universidade local em Visalia, Califórnia, e trabalha na construtora de seu pai. A voz ainda trêmula de Gill revela grandes ambições. Ele sempre leva consigo as folhas manuscritas de papel em que está registrada a sua biografia como piloto, e conta que conseguiu economizar dinheiro suficiente para comprar um modelo Top Fuel no ano passado, depois de passar uma temporada correndo com um jipe.

O patrono de Gill nas pistas é Joey Bettencourt, 50, um ex-piloto conhecido que ganha a vida como vendedor em uma concessionária Toyota e nas horas vagas funciona como chefe de equipe para o colega mais jovem. Bettencourt queria deixar a pilotagem, e por isso deu uma oportunidade a Gill, que tem seu nome escrito por sobre o nome do proprietário, no equipamento e uniformes da equipe de corrida.

"Ele tem talento natural para esse tipo de corrida, cara", diz Bettencourt. "Com base em todas as corridas que vi ao longo de minha vida, eu diria que Gill provavelmente é um dos 10 melhores pilotos em termos de talento natural. É como se alguém que nunca viu uma bola de beisebol encontrasse uma delas e conseguisse uma arremesso de 150 km/h".

Em fevereiro, Gill estabeleceu um novo recorde de 2,284 segundos nas primeiras rodadas de um torneio perto de Yuma, Arizona. Mas terminou derrotado no certame por Scott Whipple, 42, um veterano que já venceu dezenas de corridas de dragster na categoria Top Fuel. Com a fábrica de rações para animais da qual é proprietário, Whipple patrocina diversas equipes de corrida, incluindo a sua, e era o detentor daquele recorde de velocidade até que Gill o superasse.

"Não tenho o recorde no momento", disse Whipple, "mas vou recuperá-lo". O ar do deserto estava límpido, e não havia vento. A temperatura superava os 37 graus, e nem eram 10 da manhã. Gill, dirigindo um carrinho de golfe, passou pela barraca de Whipple, da qual foi cumprimentado com dois dedos estendidos: "Você é o segundo".

"Lá está Scott Whipple", comentou Gill. "Ele tem mais dinheiro do que Deus".

Ambas as equipes consideravam as condições favoráveis a um novo recorde. Os alto-falantes estrondavam com um trilha sonora na qual a banda ZZ Top era presença constante, e carros amadores com nomes como Humbler, Drag¿n Lady e Assassinator tomavam a pista.

Ao lado de um trailer no qual toda espécie concebível de ferramenta podia ser vista, Bettencourt comandava a equipe em uma série de acionamentos de motor. O ruído era assustador, como o de uma grande máquina de guerra entrando em ação. Os mecânicos trabalhavam protegidos por máscaras contra gases. Estavam inclinados por sobre o dragster prateado como assistentes cirúrgicos sobre uma mesa de operação. Nos momentos de intervalo, a mãe de Gill polia a pintura do dragster. Alguém aconselhou o piloto a descansar um pouco.

"Não dormi nada na noite de ontem", disse Gill. "Não sei se é por ansiedade, ou o quê. Depois de correr, simplesmente não consigo dormir". Gill se preparou para a prova vestindo um macacão que retarda chamas e pesa mais de oito quilos. No seu capacete, além da pintura de uma bandeira dos Estados Unidos havia o lema "Cowboy Up".

Bettencourt acendeu um cigarro e conversou com a equipe. A expectativa era de que Whipple oferecesse forte concorrência.

"Ele está disposto a matar no momento", disse Bettencourt. "Não está nada feliz por termos conquistado o recorde mundial".

Nas arquibancadas, os espectadores pareciam exauridos pelo calor. Mas começaram a se mexer mais quando os carros Top Fuel assumiram suas posições de largada. Ao final do torneio, no domingo, Gill teria vencido a prova decisiva com vantagem de menos de um centésimo de segundo, e as corridas da categoria agora só retornam depois do verão.

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